O HOMEM: suas dependências, vícios e perversões

Durante uma Copa Mundial de Futebol escuta-se múltiplas vezes os hinos nacionais dos países que participam desta Copa. Alguns textos destes Hinos incitam à luta, prometendo morrer pela pátria e, se necessário, degolar, ou executar, aos inimigos opressores. Mas, ao lado desta linguagem de morte, praticamente todos expressam seu desejo e paixão por uma vida com liberdade.

Nenhum destes hinos menciona as dependências, os vícios e as possíveis perversões dos cidadãos de seu país. No entanto, na história e na vida concreta de cada povo verificam-se as dependências, os vícios e as perversões que afetam aos homens, em todos os tempos e em todos os lugares.

Ninguém é plenamente livre, nem livre das mazelas da humanidade. Civilizatoriamente, espera-se que cada povo progrida na busca de dignidade de vida para seus cidadãos, e deixe os outros povos fazer o mesmo. Nesta busca de uma vida mais digna, há concepções diferentes nas diversas culturas. Nem sempre o que significa dependência, vício e perversão em um povo, ou em uma época histórica, conserva o mesmo sentido em outros lugares e épocas. Contudo, a humanidade, na medida em que se civiliza, estabelece certos padrões, que servem de parâmetros para avaliar o que é considerado normal na vida e no comportamento humano.

A partir deste critério de normalidade, embora se queira defender a liberdade até a morte, nossas dependências são inúmeras. Dependemos totalmente dos condicionamentos de nossa natureza, entre eles os instintos. Sob múltiplos aspectos, dependemos de nossa época histórica, de nossa cultura, dos produtos da ciência, de ideologias e de visões de mundo, que nos são sugeridas, e que assumimos como se fossem nossas.

Quando hoje se fala em dependência, o que imediatamente nos vem à mente? Dependência química! Nicotina, álcool, maconha, cocaína, LSD, crack, ópio, heroína, morfina, ayahuasca... Ao lado destas drogas, e de muitas outras, que criam uma dependência negativa no organismo humano, existem ainda os inúmeros remédios químicos, que também criam dependência, mas são considerados legais.

Quando se fala de dependências, que restringem ou aniquilam a liberdade humana, não se pode deixar de apontar para as dependências ideológicas: filosóficas, políticas e religiosas.

E os vícios? Os vícios são considerados como um desvio do nosso padrão normal de comportamento, num sentido negativo. Pelo vício a pessoa se prejudica a si mesma. A simples dependência, em sentido amplo, nem sempre é considerada prejudicial, embora, muitas vezes, coincida com algum vício.

Interessante é que, na língua alemã, o mesmo conceito seja usado tanto para dependência, vício e perversão. A palavra alemã, que designa os três conceitos acima, é “Laster”, que vem da palavra “Last”, que significa “carga, peso”. Dali a consideração que vício e perversão são “cargas” para a natureza humana. Cargas, pesos que diminuem a dignidade e a liberdade do ser humano. Por isto, para dar mais dignidade de vida ao ser humano é necessário libertá-lo destas cargas. Em outras palavras, afastá-lo das dependências viciosas, dos vícios e das perversões. Somente Liberto, o ser humano objetivará a sua natureza original.

A perversão humana já é um desvio grave da verdadeira natureza humana. E, como o ser humano é um “animal social”, as perversões repercutem mais intensamente sobre o convívio comunitário. Por isto, também são combatidas com mais violência, quando identificadas. Na história registram-se perversões de muitas categorias: perversões sexuais, religiosas, de poder político, econômico, científico-tecnológico e pseudofilosófico.

A grande pergunta é: algum dia a humanidade chegará a se libertar de suas dependências, vícios e perversões?

Dependências naturais fazem parte de nosso destino terrestre. Se nos sujeitarmos a este destino, ele nos conduzirá suavemente; se o enfrentarmos, ele nos arrastará. Dependências de outra natureza, até certo ponto, teremos que equacionar na medida em que não impedem sermos fiéis a nós mesmos e bondosos para com os outros.

Sempre teremos que conviver com “viciados”. Mas é importante saber que todo viciado diminui a dignidade plena de sua existência humana. Por isto se torna digno de comiseração, e de uma presença humana mais amorosa.

Em relação às perversões, jamais a humanidade poderá deixar de se preocupar com possíveis perversões, e com a necessidade dos remédios para preveni-las ou remediá-las.

Somente com a devida precaução frente às possíveis dependências anormais, aos vícios e perversões, a humanidade progredirá em direção à tão desejada liberdade, cantada por tantos países, que participaram da Copa Mundial de Futebol de 2014.

Inácio Strieder é professor de Filosofia – Recife/PE