VIOLÊNCIA, POLÍCIA E SITUAÇÃO SOCIAL.

Penso que um policial tem direito a atirar em qualquer um que esteja com uma arma de fogo em punho atirando contra ele. A partir do momento que um sujeito troca tiros com a polícia, ele está atentando contra a vida do policial. É claro que, numa situação real, é difícil - embora não impossível - medir proporcionalidades, mas esse discurso não deve ser usado pra justificar a ação da polícia militar como é hoje, com esse alto índice de letalidade nem a política/ideologia (que se caracteriza por ser algo repetido, planejado e oficial) do enfrentamento e do encarceramento.

A imagem de um menino tão novo como esse (13 anos), com uma ficha criminal já cheia, parece ser usada para dizer: "olha, tá vendo aí, e você protegendo esses 'coitados'!". É claro que essa situação real deve ser enfrentada e solucionada - quero dizer: combatida com as penas da lei e o uso da força; mas a questão central é dizer, em alto em bom som, que os milhares de meninos como esse (ou ligeiramente mais velhos) não foram levados a uma situação dessas (na qual "matar ou morrer" são riscos aceitáveis pra se obter um boné, um carro ou seja o que for) por sua própria índole simplesmente.

Pensar assim (que uma pessoa só comete crimes desse tipo por razão de sua índole, porque é malvado etc.) é alimentar o sistema como ele existe: "vamos agir mais duro, matar mais e prender mais, porque esses bandidos têm de aprender quem é que manda e os maus têm de ser eliminados da sociedade!". E, "de quebra", é um pensamento preconceituoso, pois, dado a óbvia recorrência de criminosos comuns nas classes sociais mais pobres e entre negros e mestiços, fica parecendo que essas pessoas têm índole pior que a das outras!

Um sujeito que nasce/alcança um âmbito desses mais abastados (político, empresarial) em que pode ter o bastante para suprir suas necessidades, e mesmo assim quer mais, comete crimes que, comparados aos do sujeito criminoso das ruas, têm riscos muito menores e ganhos muito maiores! Portanto, há de se ponderar, ou seja, pessoas com más intenções (ou pelo menos grandes ambições) poderão cometer crimes, tudo bem, porém quanto a arriscar sua própria vida nessa função, não tenho dúvida alguma de que uma situação social extrema contribui demais para isso.

Ironicamente, isso acontece do outro lado, na própria polícia. Por que as pessoas que se inscrevem para um cargo de soldado na polícia mesmo diante de uma salário tão baixo? - das duas uma: ou a pessoa quer mesmo ser policial a todo custo (é seu sonho, é algo que o faz se sentir bem) ou foi a "melhor opção". Alguém tem dúvida de que esta última alternativa não ocorre pelo menos muitas vezes? E de quais classes e de quais cores são geralmente esses candidatos a soldado? Pois é.

O uso do rigor da lei e da força, nesta situação horrível em que estamos, é necessário, obviamente. Porém, isso NÃO deve ser entendido como "a solução", pois é claramente insustentável e a fonte do problema NÃO está aí. Intensificar essa política como projeto de médio ou longo prazo é continuar alimentando o sistema com criminosos, policiais, armas e prisões, resultando em mais riscos, mais cultura e banalização da violência, mais presos, mais mortes e mais ódio.

O projeto principal deve ser outro! Um caminho que, embora lento, é o único correto. Enquanto as pessoas não tiverem oportunidades, dignidade de tratamento, sob formas de educação, saúde, renda básica e oportunidades de emprego que lhe dêem base para alçar vôos maiores, se realizarem pessoalmente e, porque não, consumirem, boa parte delas continuarão sim a optar por arriscar a própria vida em vez de ficar em subempregos que dificilmente, lentamente ou nunca lhe darão nada demais*.

*[E exemplos de heroísmo são exceções. É gratificante ver pessoas que enfrentaram dificuldades e sairam de más situações, mas a existência dessas dificuldades imensas não é algo normal. Para cada pessoa que heroicamente saiu da pobreza e/ou da baixa escolaridade e é conhecedora de seus direitos de cidadã, há centenas que não e nem por isso são pessoas preguiçosas ou más. Quanto aquelas pessoas que vieram de ambientes mais privilegiados e cometem crimes comuns em troca de bens materias tão banais, são tão exceções quanto.]