Caridade ou carência?

Tenho observado que em algumas épocas do ano, muitas consciências são aliviadas. Há um enorme apelo pela caridade e vejo pessoas competindo para saber quem é a mais caridosa.

Presenciei situações que fizeram despertar em mim alguns questionamentos. Quem precisa da caridade que está sendo feita? Quem está ajudando ou a pessoa que recebe a ajuda?

Pense comigo. Há muitas pessoas que vivem a dinâmica do assistencialismo. Doam, dão coisas sem pensar em contextos que promovam o outro. Ocasiões como natal, dia das crianças, etc. são excelentes para que as pessoas satisfaçam sua própria necessidade de serem boas e caridosas.

Pode parecer uma visão maldosa e desesperançosa acerca da bondade humana. Mas não é. Reflita sobre as ocasiões em que você quis fazer algo de bom. Você já pensou se estará promovendo o outro? Ou só a si mesmo?

Temos valores humanos que cobram de nós uma caridade e bondade que precisa existir. Em determinadas ocasiões ser bom e caridoso exige muito, em outras, é mais fácil. Em ocasiões festivas pode existir até uma competição velada sobre quem é melhor e ajuda mais. No entanto, ser bom, dar presentes, ajudar o outro as vezes é algo que parte mais da necessidade de ajudar do que de ser ajudado.

Um exemplo claro disto: pessoas que tratam crianças com deficiência como se não fossem crianças necessitadas de limites. Permitem todo tipo de comportamento, pois a criança é ‘doentinha’. Essa caridade não é real. Quem permite tudo sente-se aliviado e caridoso. No entanto, a criança não está sendo beneficiada, afinal, ela também necessita do limite.

Quero dizer que a caridade realizada algumas vezes pode nem ter valor de caridade. Dia 12 de outubro vi crianças nas ruas recebendo brinquedos nos semárforos. Pessoas que paravam seus carros e da janela mesmo despejavam seus brinquedos nas mãos de crianças que talvez quisessem bem mais que os brinquedos. Crianças que recebem, no mesmo sinal, brinquedos de três ou quatro carros diferentes, afinal, aquele é o grande dia. Elas exercem um papel social de desafogar a consciência de muitos abastados. Será mesmo que há caridade aí? Fico me perguntando.

Mas, não importa. ‘ - Eu fiz o meu papel’. Dispara a consciência se eximindo de maiores compromissos.

O natal vai chegar e teremos novamente as caridades auto-centradas. Então, vamos refletir antes de querer ser ‘bom’. Precisamos fazer o bem e não simplesmente ser bons. Dá pra entender a diferença? Espero que sim.