SOB A ESCURIDÃO DA MINHA INCONSCIÊNCIA E EXTREMA BOÇALIDADE: “EU SOU DEUS!”

Prólogo

A vaidade (chamada também de orgulho, soberba ou amor próprio) é o desejo de atrair a admiração das outras pessoas. Há quem afirme ser a vaidade uma praga. Uma pessoa vaidosa cria uma imagem pessoal para transmitir aos outros, com o objetivo de ser admirada e invejada; obedecida e/ou reverenciada como se fosse um ser possuidor de supremo princípio ético, beleza, riqueza ou poder funcional.

Uma das abordagens da vaidade na literatura é feita por Oscar Wilde no livro “O Retrato de Dorian Gray”. No cinema, o filme “O advogado do diabo” mostra de uma forma muito clara os malefícios da vaidade, a qual é explorada em seu máximo limite pelo diabo. É um filme estadunidense de 1997, do gênero suspense, dirigido por Taylor Hackford e estrelado por Al Pacino (No papel do diabo) e Keanu Reeves (No personagem do advogado). Excelente filme que eu recomendo com louvor.

O padre Pio de Pieltrecina diz que "É justo considerar a vaidade como uma praga para a alma que busca a perfeição.".

MINHAS SINCERAS DESCULPAS AOS AMIGOS MAGISTRADOS

Tenho poucos amigos! Posso contá-los nos dedos, mas esses poucos cidadãos e cidadãs são leais, bons profissionais, pessoas que não se deixam impregnar pelo falso aroma da vaidade. Tampouco esses excelsos amigos se envolvem em falcatruas e desvios de conduta.

Eu tenho evitado escrever sobre casos semelhantes (Escândalos) envolvendo autoridades dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Juro que eu não queria escrever sobre um assunto antigo, mas já recebi seis mensagens solicitando minha opinião acerca do fato ocorrido em 2011. Trata-se de um suposto abuso de autoridade da servidora Luciana Silva Tamburini do Detran/RJ. O outro envolvido no quiproquó foi o juiz de direito do TJRJ, João Carlos de Souza Correa.

EIS OS FATOS SEM DISTORÇÕES NEM MAQUIAGENS

Ao parar um veículo que estava sem placa. A nota fiscal que portava já estava com prazo vencido. O motorista não portava a carteira de habilitação – (CNH), tudo isso foi reconhecido em sentença da Justiça. Quem era o motorista? Um juiz de direito. Claro que poderia ser outra autoridade. Existem lorpas em todos os níveis de nossa sociedade.

A servidora disse que o carro irregular deveria ser rebocado. Essa providência absolutamente legal (válida para todos) foi a causa do “quid pro quo” armado. Ele (O juiz) queria que um tenente prendesse a servidora do Detran/RJ. Este (O tenente) se recusou a fazer isso.

Claro! Não havia motivo para tão absurda, desnecessária, desrespeitosa e abusiva ação. No entanto, passava pela mente do aloprado magistrado o nigérrimo e sacrílego pensamento: "SOB A ESCURIDÃO DA MINHA INCONSCIÊNCIA E EXTREMA BOÇALIDADE: “EU SOU DEUS!”.

O ERRO SE PROPAGANDO

Chegaram os PMs e tentaram algemá-la. Por quê? Por que tentaram algemar a servidora que cumpria seu (dela) dever? Para não ser algemada Luciana, vilipendiada, indignada e sem apoio, em sua defesa, poderia ter invocado a SÚMULA VINCULANTE nº 11, do STF, de 2008 (limita o uso de algemas a casos excepcionais). Todavia, a servidora apenas disse: “Ele não é Deus”.

Ao ouvir essa irrefutável verdade o juiz começou a gritar, histérico e colérico, e deu voz de prisão, dizendo que ela era “abusada”. Ora, ele ou quaisquer outros que andam com carro irregular, não, não é abusado... É negligente, inconsequente e desrespeitoso consigo mesmo e com os transeuntes e sociedade em geral.

O parvo estribava-se na intimidante força funcional enquanto a

servidora Luciana acreditava (acreditou) na possibilidade do reconhecimento pelo bom serviço prestado à sociedade. Ela (A servidora Luciana) processou o juiz por prisão ilegal. O TJ do RJ entendeu (corporativamente) que foi a servidora que praticou ilegalidade e abuso (dizendo que “juiz não é Deus”).

Alegação complementar da servidora: “Se eu levo os carros dos mais humildes, por que não vou levar os dos mais abastados? Posso me prejudicar porque fiz meu trabalho direito”.

CONCLUSÃO

Por tratar de forma irônica a condição de um juiz, uma agente de trânsito foi condenada a indenizar o magistrado por danos morais. Ele havia sido parado durante blitz da lei seca sem a carteira de habilitação e com o carro sem placa e sem documentos. Ao julgar o processo, a 36ª Vara Cível do Rio de Janeiro condenou a agente a indenizar em R$ 5.000,00 (Cinco mil reais) o juiz João Carlos de Souza Correa, do 18º Juizado Especial Criminal, zona oeste da capital do Estado. Os fatos ocorreram em 2011.

A agente processou o juiz por danos morais, alegando que ele queria receber tratamento diferenciado em função do cargo. Entretanto, a juíza Mirella Letízia considerou que a policial perdera a razão ao ironizar uma autoridade pública e determinou o pagamento de indenização. A agente apelou da decisão em segunda instância. Entretanto, a 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio considerou a ação improcedente e manteve a decisão de primeira instância.

"Em defesa da própria função pública que desempenha, nada mais restou ao magistrado, a não ser determinar a prisão da recorrente, que desafiou a própria magistratura e tudo o que ela representa", disse o acórdão.

MINHAS REMINISCÊNCIAS

O caso fez-me lembrar de um cabo – já desencarnado – que servia no 31º BI Mtz, sito em Campina Grande/PB, à época eu era terceiro sargento. O aludido cabo era cachaceiro, arruaceiro, brincalhão e provocador. Essa “autoridade”, como se autodenominava, quando interpelado por agentes da polícia civil ou militar sempre se defendia perguntando em voz alta: “Você sabe com quem está falando?”. Essa é a famosa e conhecida “carteirada”. Alvo de piadas, ele não se incomodava. Queria mesmo era se divertir.

Também lembrei-me de um fato ocorrido comigo, no Centro de Estudos de Pessoal – CEP/RJ, quando eu era 2º tenente. Minha função era fazer uma triagem dos visitantes e demais pessoas que desejassem falar com quaisquer dos chefes das Divisões (Pesquisa, Ensino, Idiomas etc.).

Na ocasião, eu me encontrava na Seção de Comunicação Social, um senhor muito bem-vestido, à paisana, dirigiu-se a mim, e com a voz tonitruante disse: “Quero falar com Guelfi” – Entendi que se tratava de uma autoridade porque alguém mais simples diria: “Desejo falar com o comandante”. – Isso mesmo! Autoridade QUER, o mais simples ou subordinado apenas DESEJA.

Utilizando-me da melhor razão falei ao cabo Natanael: “Cabo: Conduza o cidadão até o senhor comandante.” – Imediatamente o senhor desconhecido e sem se identificar disse: “Cidadão não. Sou coronel tenente. E não preciso ser conduzido!”.

Ato contínuo, respondi prestando uma caprichada continência: “Desculpe-me coronel, mas eu não sabia que o senhor havia perdido a cidadania.”. Ele (O lorpa e/ou parvo prepotente) não gostou nem um pouco das minhas palavras. Claro que eu poderia ter dito: “Identifique-se! Não tenho como saber se o senhor é quem diz ser. Estou apenas cumprindo minha obrigação.”. Não disse isso por ser disciplinado e educado!

O DILEMA DA SOCIEDADE BRASILEIRA – POR: ROBERTO AUGUSTO DAMATTA –

Roberto Augusto DaMatta é um antropólogo, conferencista, consultor, colunista de jornal e produtor brasileiro de TV. Nascimento: 29 de julho de 1936, Niterói, Rio de Janeiro. Educação: Universidade Harvard (1971), Universidade Federal Fluminense.

“O dilema brasileiro reside no conflito entre a observância das leis gerais e o “jeitinho” que se pode encontrar para burlá-las em razão das relações pessoais. Nós não admitimos (em geral) ser tratados como a generalidade, sim, queremos sempre o atalho, o desvio, o respeito incondicional à nossa “superioridade natural”. O indivíduo que deve obedecer as leis gerais não é a mesma pessoa (distinguida) que conta com relações sociais e privilégios “naturais” (que não poderiam ser contestados).

O coração do brasileiro elitizado, hierarquicamente “superior”, balança entre esses dois polos. No meio deles está a malandragem, a corrupção, o jeitinho, os privilégios, as mordomias e, evidentemente, o “Você sabe com quem está falando?”.

Claro que a lei, com essa mediação social, fica desprestigiada, desmoralizada. Mas ela é insensível e todos que pisam na sua santa generalidade e igualdade (um dos mitos com os quais os operadores jurídicos normativistas trabalham) ficam numa boa e a vida (depois do desmando, do capricho, da corrupção, do vilipêndio, do crime impune, do jeitinho, da malandragem) volta ao seu normal” – (Roberto Augusto DaMatta).

RESUMO DA CONCLUSÃO

Enfim, diz ainda a sentença (acórdão) da confusão entre o néscio e atrapalhado juiz e a funcionária Luciana Silva Tamburini do Detran/RJ:

“Dessa maneira, em defesa da própria função pública que desempenha, nada mais restou ao magistrado, a não ser determinar a prisão da recorrente, que desafiou a própria magistratura e tudo o que ela representa”. “Além disso, o fato de o recorrido se identificar como Juiz de Direito não caracteriza a chamada “carteirada”, conforme alega a apelante.”.

Observamos que no acórdão a expressão “(...) que desafiou a própria magistratura e tudo o que ela representa (...)" é a confirmação da propagação do erro por corporativismo ou despreparo funcional dos que firmaram o malfadado acórdão.

Entendo, salvo outro juízo, que se ambos, Juiz e servidora do Detran/RJ, erraram os dois deveriam (devem) ser punidos na forma da lei. Contudo, sabemos que o corporativismo faz parte do dilema brasileiro, que reside no conflito entre a observância das leis gerais e o “jeitinho” que se pode encontrar para burlá-las em razão das relações interpessoais.

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NOTAS REFERENCIADAS

– Noticiosos de uma forma geral; imprensa falada, escrita e televisada;

– Assertivas do autor que devem ser consideradas circunstâncias e imparciais.