Marcas da Impunidade

“História – reconstituição alegórica do passado vivente que nos ajuda a compor nosso próprio discurso sobre o que estamos sendo”. Está é possivelmente uma das definições de História para o grande antropólogo Darcy Ribeiro.

História certamente terá uma variedade de definições. Mas, com efeito, não poderá deixar de implicar na tentativa de buscar no que fomos a explicação para o que estejamos sendo agora.

O passado é muito amplo. Talvez seja esse o “passado” de um historiador ou antropólogo. E ontem pode ser ainda o presente.

No entanto, para efeito de um raciocínio mais imediatista, vejamos o caso dos governos militares inaugurados no Brasil a partir de 1964. Um passado recente.

Não terá origem nesses governos a impunidade que vivemos hoje? Que reitera ou reforça os descalabros de casos de corrupção que presenciamos, mas que já ocorriam até mesmo antes de 64? Na medida em que a governança discricionária da ditadura, com a implantação da censura, dos atos de exceção (AI-5 e outros), da supressão das garantias civis dos cidadãos, do banimento do país da sua elite pensante, crime hediondo contra a cultura do país – não terá todo esse autoritarismo suscitado o enraizamento da impunidade em nosso meio?

A impunidade tem toda a chance de ser a responsável pela proliferação de ilícitos. Dos mais variados tipos. Não só os cometidos contra o erário público, ou contra toda a sociedade, como também os crimes comuns cometidos por uns cidadãos contra outros. O indivíduo hoje responde em liberdade tanto pelo desvio comprovado de bilhões de reais, como pelo estupro comprovado de vulnerável.

Uma justiça claudicante e, em muitos casos, não imune ela mesma a casos de corrupção, dependente de um sistema penal anacrônico e ineficaz, também contribui para a maior desenvoltura da impunidade. Não haverá cadeia suficiente neste país para todos os criminosos que forem condenados. Assim é melhor que alguns fiquem soltos.

E a imunidade (pode confundir com impunidade) parlamentar? E o foro privilegiado? Que são prerrogativas com que contam os governantes, políticos, juízes e desembargadores para se acharem à margem da impunidade?

Aliás o foro privilegiado é "sui generis". Porque tem a capacidade de, ao longo do tempo, nos acostumar com a ideia de que só os cidadãos comuns cometem crimes, não os graduados.

Repetindo mais uma vez o grande antropólogo, talvez seja essa a razão para que digamos que “não gostamos do Brasil do passado tal qual foi”. Mas que também “não nos consolamos de que o Brasil seja no presente o que ele é”.

Rio, 24/11/2014

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 24/11/2014
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