Ensaio sobre a Cegueira

Para que haja ricos, tem que haver pobres. Até aí tudo bem. Mas continua não sendo novidade dizer que quanto maior o número de pobres, maiores serão as chances de manutenção das riquezas dos ricos.

Toda a ordenação da nossa vida política gira em torno de “um poder condicionador do progresso social tendente a tudo subordinar aos objetivos de dominação dos grupos dirigentes”.

Tais características identificadas em comunidades “jurássicas” continuam a prevalecer em sociedades modernas. Em que certo despotismo é ainda essencial às classes dominantes, que o exercem sobre “as camadas livres, mas empobrecidas, e por isso alienadas socialmente”.

Como se colocar contra o Carnaval? É o mesmo que falar algo positivo a respeito de Hitler.

Não queremos dizer que as pessoas deviam se interessar pelos concertos de Nelson Freire ou pelas óperas e ballets em exibição no Teatro Municipal. Mas configura-se como certo despotismo das classes dominantes a campanha sistemática, direcionada mais intencionalmente “às camadas livres, mas empobrecidas”, realizadas há mais de um mês em determinado canal de TV a favor das escolas de samba, blocos e demais assuntos relacionados ao Carnaval. Enquanto o país atravessa uma crise angustiante deflagrada por atos de corrupção talvez sem precedentes, arrastões em praias ou vias de grande movimentação, latrocínios na calada da noite ou à luz do dia, estupros em salões de cabeleireiros, violentos crimes de morte por motivos fúteis, “saidinhas” de banco aos montes, explosões de caixas eletrônicos por todo lado, etc. Além de um atendimento cada vez mais precário de uma saúde pública a que teriam direito as camadas mais empobrecidas se pudessem ser tratadas com um mínimo de dignidade.

É evidente que o Carnaval é uma manifestação cultural da maior importância. E que só acontece da forma que conhecemos em nosso país. Talvez mais precisamente no Rio de Janeiro. Mas do jeito que a população é orientada para o entretenimento, a diversão e o prazer, sob as formas mais variadas que possamos supor, parece que não existem graves problemas que merecessem a atenção de todos.

Estamos longe do colapso total do abastecimento de água potável. E certamente não chegaremos a esse ponto. Mas, só por hipótese, se faltasse água na torneira do rico e do pobre – como faltou a visão aos moradores da cidade no belo livro do Saramago –, não haveria o Carnaval.

Sabemos que “se” para muitos é uma palavra que não existe. No entanto, as camadas mais desassistidas não deveriam ser estimuladas a tratar com indiferença, mas a considerar com mais atenção os graves problemas de cuja solução serão sempre os mais necessitados.

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 07/02/2015
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