UM PRÍNCIPE NEGRO VIVEU EM PORTO ALEGRE

Custódio Joaquim de Almeida (1831?-1935), o príncipe negro, era oriundo de uma região do antigo Daomé. conhecida como Reino de Benim. No início do século XX, em 1901, o príncipe passou a viver em Porto Alegre, estabelecendo-se na Cidade Baixa, na rua Lopo Gonçalves. O local, escolhido pelo princípe, era conhecido como um espaço de luta e resistência cultural dos afrodescendentes na capital gaúcha.

Segundo a tradição oral, o Príncipe Custódio realizava, em sua residência, grandes festas religiosas (ritos) em homenagem aos orixás. Nessas ocasiões, dirigiam-se ao seu ilê (casa) muitos devotos e pessoas, ligadas ao poder público, que participavam das festas religiosas (toques) ao som dos atabaques e cânticos em iorubá (rezas). Estes narravam os feitos e a vida dos orixás quando conviviam entre os homens. O príncipe costumava realizar requintados banquetes quando se serviam vinhos e licores importados e diversas iguarias, principalmente na data do seu aniversário.

De acordo a oralidade popular, o "Príncipe de Ajudá" se relacionava com figuras importantes do campo político, como Julio Prates de Castilhos, Borges de Medeiros e até mesmo Getúlio Vargas, entre outras. Seus poderes espirituais, como sacerdote africano ( babalorixá), espalharam-se-se pelas plagas gaúchas. Muitos acreditam em que o mesmo intervinha com seus poderes magísticos no desfecho de importantes questões políticas no Estado. A oralidade perpetua que o príncipe se transferira de Bagé para Porto Alegre, para prestar auxílio espiritual (cura) a Julio de Castilhos que se encontrava vitimado por um câncer na laringe.

Havia um intenso fluxo de pessoas que o procuravam na sua residência, buscando alívio para suas dores físicas ou morais. Reza a tradição que o Príncipe vivia cercado de todo o conforto e requintes peculiares à nobreza, causando admiração e espanto à elite local . Personagem considerada exótica na sua forma de vestir, o mesmo criava cavalos árabes e falava, com desenvoltura, o inglês e o francês.

Quando chegou a Porto Alegre, em 1901, encontrou seus irmãos de etnia, vivendo em condições de grande pobreza, habitando espaços, como: a "Colônia Africana", "Areal da Baroneza" e "Mont'Serrat". Estes locais foram símbolos de resistência da cultura negra, donde surgiram personagens, a exemplo de Mãe Madalena de "Oxum" e de Pai Idalino de "Ogum", que se destacaram no Culto aos Orixás e, até os dias de hoje, são referência, constituindo-se em verdadeiros troncos da tradição religiosa, de matriz africana, conhecida em nosso Estado com a denominação de "Batuque" ou "Nação dos Orixás".

O príncipe Custódio não foi o responsável pela introdução do Batuque, no Rio Grande do Sul, ainda que muitos perpetuem essa ideia. De acordo com dados impressos em periódicos que circularam, no século 19, em Pelotas e Rio Grande, já havia cultos de matriz africana antes da sua chegada ao Rio Grande do Sul. Essas regiões, tradicionalmente, ligadas à economia do charque se utilizavam de mão de obra escrava, portanto bastante presente o legado cultural da etnia negra.

A tradição dos sacerdotes e iniciados (filhos de santo), de visitarem o Mercado Público da Cidade , continua até os dias de hoje,quando os fiéis cumprem seus preceitos religiosos, saudando o orixá Bará (dono da chave que abre todos os caminhos), no centro desse Mercado, onde o Príncipe teria feito um assentamento desse orixá (um ritual religioso).

Figura polêmica, envolta em mistérios, faleceu, em Porto Alegre, no dia 28 de maio de 1935, com 104 anos. Seu atestado de óbito se encontra no Cemitério da Santa Casa de Misericórdia. Outra questão , que paira sobre vida do príncipe negro, é quanto à referência sobre o local de seu sepultamento. Por que o mesmo estaria localizado no Campo Santo (espaço reservado aos mais pobres da cidade),tratando-se de uma figura nobre e rica? Outra dúvida que existe em relação a sua figura, é quanto a seus restos mortais. Nada se comprova que foram queimados, por falta de pagamento, ou foram utilizados para um assentamento (ritual religioso) do seu espírito (egun),conhecido como "Culto dos Antepassados". Essas questões continuam sem respostas...

Os principais jornais, que circulavam na capital, registraram o seu falecimento, fazendo referência à sua "forma de viver", considerada excêntrica, e ressaltando a sua origem nobiliárquica. O Correio do Povo (1895), A Federação (1884-1937) e o Diário de Notícias (1925-1979) deram destaque à morte do "Príncipe Negro de Ajudá". Donde concluimos, apesar das parcas fontes documentais, que sua figura foi bastante significativa na sociedade gaúcha que adentrava o século XX.

Afinal era um "Príncipe Negro"....

Aconselho a todos, que quiserem mergulhar nessa fascinante história do "Príncipe Negro", Custódio Joaquim de Almeida (1831?-1935), a lerem o livro do escritor,jornalista e historiador Roberto Rossi Jung, editado, em 2007, pela Martins Livreiro. Uma obra que não pode faltar na estante de quem aprecia uma boa leitura no campo da historiografia.