As megas obras do PAC ou o progresso para a destruição  


 
Recentemente tivemos uma triste notícia: três operários morreram na construção da Usina de Belo Monte. Quantos ainda morrerão para que se cumpram os prazos? A mega obra está sendo construída a "toque de caixa" na cidade de Altamira, no sudoeste do Pará, aproveitando as “potencialidades hídricas” das águas do rio Xingu. Iniciada em 2011, era para estar pronta este ano, mas como sempre ocorre com obras do governo, sofrerá atrasos e custará mais dinheiro público,  talvez fique  pronta em 2016. Quando concluída será a terceira maior usina em capacidade de geração elétrica do mundo ficando atrás apenas de Itaipu e a usina de Três Gargantas na China. O consórcio Construtor de Belo Monte, contratado pela Norte Energia é composto por um dezena de empreiteiras e dentre elas estão àquelas envolvidas no maior escândalo da história do Brasil e do mundo o Petrolão, investigadas na Operação Lava a Jato: A Camargo Correia, A Queiroz Galvão, a Odebrecht, OAS, Andrade Gutierrez, etc.etc. As mesmas que formam um cartel criminoso que só um país permissivo como o Brasil as deixa atuar livremente. A usina ergue-se a olhos vistos e já é um processo irreversível. Na medida em que as máquinas removem profundamente o chão da floresta, destruindo ecossistemas ambientais e humanos tem-se a noção da magnitude do desastre que atualiza uma triste realidade do Brasil em seu afã pelo progresso a todo custo: A degradação. Como outros megaprojetos polêmicos do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento do governo Lula, como a construção das usinas de Santo Antônio e Jirau no Rio Madeira, e a Transposição das águas do Rio São Francisco, ela trará impactos irreversíveis sobre  nossas florestas e rios e no destino das populações que vivem no seu entorno. Apesar do PAC ter como um dos seus princípios o "desenvolvimento sustentável" as boas intenções do governo tem ficado somente no papel. Essa visão equivocada de progresso se nega a vê o seu outro lado - a entropia, a degradação do homem e da natureza e consequentemente a própria concepção de desenvolvimento.

Ao invés de ter pensado em alternativas energéticas como a extraída da biomassa, solar e eólica, e outras formas de obtenção de energia, e de elaborar projetos menos ambiciosos eficazes e simples para resolver o problema de abastecimento de água no nordeste, como a construção de cisternas, açudes, e aproveitamento das águas do subsolo do Sul piauiense que jorram a céu aberto, o governo preferiu as grandes e polêmicas obras.

Essa ideia autoritária do progresso em nada difere da concepção ufanista do “Brasil potência” do progresso a todo custo, o chamado nacional-desenvolvimentismo que se iniciou com Vargas e teve seu ápice durante a Ditadura Militar (1964-1984) que desenvolveu o Brasil, mas espalhou a degradação a natureza e ao homem. Suas raízes históricas mais longínquas remete a ocupação sistemática e predatória do interior do Brasil, em nome de um progresso civilizatório, movimento impulsionado ao longo da história pelo estado brasileiro, desde as entradas e bandeiras durante o Brasil Colônia, até mais modernamente com as frentes de ocupação sem critérios, seja para extrair borracha, ou para a instalação de projetos agropecuários, construção estradas, ferrovias, usinas, etc., onde o lema era “integrar para não entregar”. De outro lado, ação ilegal de grileiros, madeireiros, posseiros, garimpeiros, fazendeiros e grandes mineradoras, têm contribuído para a destruição total do bioma amazônico.

É assim que o interior do Brasil, sobretudo seus sertões e florestas tem sido sistematicamente violentados, talvez isto também tenha raízes naquele modelo de dominação racional apregoado por Sir Francis Bacon (1561-1626), o pai do empirismo e da ciência moderna, que afirmava que a natureza é como uma virgem que deveria ser violentada a fim de que se arrancassem os seus segredos. Desse modo grandes projetos financiados pelo Estado como a Ferrovia Madeira-Mamoré, o Projeto Jari, a mineração de Serra Pelada, o maior garimpo a céu aberto do mundo que ao seu redor ergueu-se um cinturão de miséria e de degradação social e ambiental, bem como a construção da Rodovia Transamazônica, que liga nada a coisa nenhuma, e construção da Hidrelétrica de Tucuruí, que fazia parte do Projeto Grande Carajás, visando ao desenvolvimento da Amazônia oriental através da atividade minero metalúrgica e de projetos agropecuários-florestais.

A Construção de Belo Monte não foge a regra. Houve uma forte reação pela sua não construção da sociedade civil e das populações diretamente afetadas pela obra, mas o governo Lula (2003-2012) e seus tecnocratas preferiram passar por cima de todas as recomendações de ambientalistas, do próprio IBAMA e de ONGS sérias e da opinião de cientistas nacionais e internacionais que se opuseram a obra, não por capricho, mas por ver nela mais desvantagens do que vantagens. E principalmente não consultou e acatou a opinião dos principais impactados pela obra: os povos indígenas como manda a Declaração da ONU de 2008, da qual o Brasil é signatário. A Declaração confirma a obrigação dos Estados de fazer consultas aos povos indígenas antes de adotar e aplicar medidas legislativas e administrativas que os afetem, a fim de obter seu consentimento prévio, livre e informado. Foram em vão a súplica dos povos indígenas, Raoni, o cacique Caiapó, reconhecido internacionalmente por sua luta em favor das causas indígenas foi veementemente contra o projeto de construção da usina de Belo Monte junto com outras lideranças indígenas, povos mais sábios que nossos governos, ao prevê os impactos negativos causados por esta obra que não foram ouvidos e somente consultados “para inglês ver”.

A desvantagem da construção de uma usina hidrelétrica como a de Belo Monte e as de Santo Antônio e Jirau, é a alteração que provoca no curso natural dos rios e os seus impactos na piscicultura, fonte mais importante de alimento das populações indígenas e de ribeirinhos, em seguida vem à devastação do que ainda resta de floresta nativa para a construção da barragem propriamente dita com o alagamento de áreas imensas. A usina de Belo Monte está sendo erguida na região da Volta Grande onde o rio Xingu dá uma volta abrupta até retomar seu curso novamente em direção ao golfão amazônico, barragem que afetará a vazão do rio causando enormes problemas aos igarapés da região, e consequentemente a fauna e a flora e o microclima da região. Parece idiotice falar em peixes e igarapés ou em "lambaris" como um dia com sua sarcástica ironia Lula se referiu as preocupações da então ministra do Meio Ambiente Marina Silva. Diz-se que uma célula de um corpo que deixa de funcionar pode interferir na saúde geral desse corpo.

O ecossistema amazônico é delicado, frágil e interdependente, qualquer alteração em um dos seus vários sistemas de vasos comunicantes, que são os seus rios interligados, pode levar ao colapso de toda a bacia do Amazonas e, por conseguinte do que resta da floresta, com implicações para todo o país, pois influenciará o clima e o regime de chuvas e com isto a própria agricultura da qual o Brasil é extremamente dependente.

Os problemas com a construção de Belo Monte já são visíveis: a cidade de Altamira, já tem quase 100 mil habitantes a mais em busca de melhores condições de vida por conta da grande obra. A prostituição, a miséria, a falta de emprego para todos que ali chegam e a falta de infraestrutura local que já era precária, ficou ainda mais, há um aumento dos índices de miséria e de violência: roubos, tráfico de drogas, homicídios é o rastro que a construção da usina tem deixado até aqui. Quando ficar pronta, o grande legado será o de sempre: deixará um rastro de destruição e de miséria no entorno da cidade, que em nada contribuirá para transformar a região dentro de uma perspectiva de desenvolvimento sustentável. O consórcio Norte Energia responsável pela destruição, como forma de compensação, distribui "presentes" aos índios, como panelas, barcos e comida industrializada, machados, motosserras, uma atitude “emergencial” que violenta os povos indígenas da região, e faz lembrar os "presentes" dados pelos portugueses para conquistar a simpatia dos índios quando da conquista do Brasil; na medida em que eles serão no futuro os grandes perdedores, pois muitos terão que ser removidos de suas terras ancestrais, perdendo o vinculo com o sagrado que simboliza seu lugar, e a pesca e a coleta de frutos será prejudicada, com a devastação da floresta e a diminuição da vasão do rio Xingu.

Em nome de um progresso questionável o PT e Lula fizeram o que nenhum governo teve a ousadia de fazer, que foi dar inicio a degradação total da Amazônia patrocinado pelo estado brasileiro com a construção destas usinas que alterarão para sempre o bioma amazônico e abrirá a porta para mais tantos projetos de construção de usinas na região que já estão no papel. Se a intenção é alimentar o Brasil de energia, de outro não há uma preocupação com a degradação produzida em decorrência da produção dessa energia.

A construção da hidrelétrica de Santo Antônio e de Jirau no rio Madeira, também não foge a regra de uma visão de progresso destrutivo e terá impactos sensíveis sobre as populações indígenas, ribeirinhas e toda a população de Rondônia, as cheias do rio Madeira tem sido cada vez mais devastadoras com o inicio da construção destas usinas. Em 14 de março de 2009, o Brasil foi condenado simbolicamente pelo Tribunal da Água - uma corte de ética dentro do Fórum Mundial da Água realizado em Istambul - por construir as duas usinas no rio Madeira, as quais ameaçam a vida da população indígena, além de alterar os ciclos fluviais e a biodiversidade. A Bolívia expressou sua preocupação com o impacto ambiental e sanitário que as usinas de Santo Antônio e Jirau poderão causar. Há preocupação com a proliferação de doenças como dengue e malária devido aos lagos que serão formados.

Outra obra polêmica é a transposição do Rio São Francisco que infelizmente não acabará com a sede dos nordestinos e beneficiará grandes projetos de irrigação. A transposição do Velho Chico é o "tiro de misericórdia" no outrora rico e caudaloso São Francisco, que sofreu o maior e mais sistemático processo de intervenção para a obtenção de energia com a construção da usina de Três Marias em MG, o complexo hidrelétrico de Paulo Afonso e de Sobradinho na Bahia além da construção da usina hidrelétrica de Xingó e grandes  projetos de irrigação. Com a transposição o rio irá definhar de vez.  Esses megaprojetos provocam mais impactos negativos do que positivos, além de alimentar a corrupção que já tem se mostrado endêmica no Brasil e que tem as grandes construtoras como atores principais e políticos ligados aos partidos de plantão.

Poderia se ter pensado num conjunto de soluções, como o melhor gerenciamento dos recursos hídricos, a construção de adutoras na própria bacia, retirada de águas de aquíferos, no Piaui um dos estados mais assolados pela seca, há uma região que a água jorra dia e noite sem ter seu uso aproveitado racionalmente; a  construção intensiva de açudes e de cisternas, a construção de  usinas de dessalinização no litoral dos estados afetados, ou seja, um conjunto integrado de ações e não apenas investir num único projeto que pode inclusive comprometer a capacidade de geração de energia do rio São Francisco, dentro outros tantos impactos socioambientais.

Segundo o agrônomo João Suassuna, O estado brasileiro defende o discurso de que há escassez de água no Nordeste e este ponto de vista é o ponto de partida para a elaboração do projeto de transposição do rio São Francisco e o que é pior grande parte das águas transpostas irá beneficiar projetos de irrigação, criatórios de camarão e a agroindústria, em detrimento da agricultura familiar. Para o agrônomo: "A maior preocupação é a possibilidade de um colapso iminente do rio, caso venham a serem efetivadas essas novas demandas, por representarem volumes além daqueles que o rio tem condições de ofertar. " Para outro estudioso do problema hídrico do Nordeste Júlio Cezar Winkler " Entre as alternativas apontadas para a transposição, está o melhor gerenciamento dos recursos hídricos do semiárido, o investimento em obras não acabadas, a construção de uma cultura de convivência com a problemática da seca e a busca de alternativas simples e viáveis".

Essas obras em conjunto custarão  dezenas de bilhões de reais ( sem contabilizar, é claro, o dinheiro que certamente sairá pelo ralo da  corrupção) e não resolverão os gargalos energéticos do Brasil e nem os problemas de água para as populações pobres que realmente necessitam dela no nordeste. As usinas fornecerão energia para o Sudeste e deixarão nos locais aonde foram  construídas um legado de degradação sócio ambiental, o mesmo pode ser dito em relação a transposição das águas do Rio São Francisco. 

Vivemos em um país que aos poucos seus imensos recursos naturais estão dando sinais de esgotamento. Essa realidade deveria levar a um dispêndio mínimo das energias disponíveis, ainda mais no delicado bioma amazônico, cujos recursos naturais utilizáveis são muito limitados. Portanto, a produtividade não deveria ser medida pela maior quantidade de bens econômicos produzida num determinado período de tempo, mas sim pela maior quantidade produzida com o menor dispêndio energético possível. E, do mesmo modo, criar a ordem que deixe menos desordem (Rifkin), mas há, a olhos vistos, uma assustadora degradação da Amazônia e a ameaça de desertificação dos biomas em seu entorno. É um ciclo vicioso: a crescente demanda de energia torna sempre mais complicada, custosa e danosa sua obtenção. E isto leva a um impasse trágico. Rifkin fala de uma volta radical a um ritmo natural no qual se deve reverter drasticamente o sentido do fluxo campo-cidade, as pessoas deveriam voltar ao campo e não serem expulsas dele, como tem ocorrido com o Brasil ao longo dos séculos. Essa visão de progresso que arranca as pessoas de seu habitat natural e empurra-os para cidades degradadas é o que se denominou de "brasilianização" processo que qualquer país sério  evita mas que o Brasil insiste em ter   como modelo.
Labareda
Enviado por Labareda em 30/05/2015
Reeditado em 04/01/2017
Código do texto: T5260471
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