SIMPLÍCIO

Atraído pelo vasto azul de uma intensa manhã, Simplício confidenciou o desejo de ser aviador. Mas, por enquanto, vai chutando a bola e a esperança na esquina dos dias.

A avó, desfavorecida e enferma, precisa buscar nas instâncias judiciais o custeio para o tratamento médico. Portanto, não terá forças para libertá-lo de uma escravizante adversidade.

Desejoso de voltar à escola, que abandonou quando os pais entraram pelo sumiço do mundo, Simplício, aos poucos, descobre resistências aos seus planos, coisas que percebe no jeito de olhar das pessoas, no distanciamento cultivado pelos meninos de cabelo feito e vestuário novo. Resistências concretas e duras, que aparecem desenhadas no alimento escasso e nas filas de espera junto aos balcões dos serviços públicos.

Numa dessas procissões, a avó indignou-se, pois Simplício somente obteria matrícula em escola longínqua, circunstância que acarretaria uma despesa impossível de ser custeada.

No fundo mesmo, o sonho de Simplício está contido na oração da avó. Ele deve crescer honesto e ter fé, pois a vida continua na lição dos pássaros e dos lírios do campo.

Contudo, havemos de temer pelo seu futuro. É penoso concretizar o sonho, quando a sobrevivência é desprovida de asas e muitas vezes envereda por caminhos tortuosos e sem volta.

Difícil não se repetir a frustração vivida por outros tantos Simplícios, que abandonados pelos pais, são amparados por avós desprovidos de condições materiais.

Além disso, os frutos da felicidade, quando geridos politicamente, não são partilhados de maneira ideal. Em nosso meio, investir alhures, ou em pássaro cativo, tem sido mais interessante do que apostar no sonho de um fragilizado piá.