A AMÁLGAMA BRASILEIRA

Muitas vezes simplificamos demais a realidade brasileira. Não nos lembramos, por exemplo, que o Brasil é 14 vezes maior do que a França. Somos uma amálgama de etnias. Os portugueses encontraram aqui uma multiplicidade de tribos, habitantes das selvas, dentre as quais a maioria se denominava Tupi. Estes indígenas Tupis acreditavam num Ser Superior, que denominavam Tupan. Dali “Tupi” significar “filhos ou povo de Deus”.

Os habitantes das selvas brasileiras, em sua maioria, tinham características mongólicas. Alguns se tornaram amigos dos portugueses; a outros os portugueses declararam guerra; muitos foram submetidos à escravidão. Segundo os colonizadores, o objetivo das guerras e da ecravidão era civilizar os selvagens.

Como os indígenas se recusavam a trabalhar sob as ordens dos colonizadores e preferissem sua liberdade selvagem, os portugueses decidiram importar escravos negros. E sabemos que assim entraram milhões de africanos no Brasil.

Já durante o período colonial, outras etnias europeias se juntaram aos três grupos majoritários (indígenas, portugueses, africanos), através das invasões: franceses no Rio de Janeiro e no Maranhão; os holandeses, desde a Bahia ao Ceará; os espanhóis, durante o período da dominação espanhola (1580-1640) sobre Portugal e colônias; soldados italianos ajudaram aos brasileiros a expulsar os holandeses.

Durante o Reino-Unido entre Portugal e Brasil entraram no Brasil imgrantes de múltiplas proveniências. Com Dom Pedro I, e depois durante o meio século de governo de Dom Pedro II, a política de imigração se tornou uma política de Estado. Esta política não terminou com a República.

No período imperial se promoveu a imigração de italianos, alemães e originários de países eslavos, principalmente poloneses e russos. Também ingleses se estabeleceram no Brasil. Seguiram-se, ainda, os sírio-libaneses. Todos estes imigrantes organizaram suas famílias, se multiplicaram, e foram incorporados, com seus costumes, ao povo brasileiro.

Mais recentemente vieram também orientais: japoneses e chineses. Atualmente, embora a imigração não seja mais uma política de Estado, continuam a afluir ao Brasil imigrantes originários de múltiplas etnias: haitianos, bolivianos, árabes, africanos...

Esta é a amálgama que forma o Brasil atual. Assim, pode-se dizer, na alma brasileira vibram todas as almas, inclusive seus contos, mitos, folclore, ideologias e religiões.

Diante desta amálgama da realidade brasileira, Oswald de Andrade escreveu um “Manifesto Antropofágico”, ao final da década 20 do século passado, no qual deixa transparecer que a originalidade brasileira consiste em nos alimentarmos de tudo que existe em outras culturas, para depois evacuarmos uma síntese, que é nossa.

No meu entender, nem sempre este “excremento” sintético que os intelectuais e políticos evacuam, realmente é a síntese mais perfumada para o “nariz” do povo brasileiro. Dali, por um lado, a prática de corrupção exagerada, comportamentos éticos e aéticos pouco recomendáveis, religiosidades alienantes, políticas escusas...; mas, por outro lado, a riqueza cultural imensa do Brasil; um povo miscigenado, exempo para o futuro da humanidade, sem preconceitos étnicos; potencialdades intelectuais imensas, ainda insuficientemente desabrochadas; riquezas literárias e científicas promissoras...

A verdade é que o Brasil ainda não construíu a síntese adequada à sua amálgama populacional. Ainda estamos pouco conscientes das potencialidades que existem. Dali a impressão de uma política brasileira primitiva, caótica, sem organicidade, repleta de aventureiros, desejosos de poder a todo custo, sem sensibilidade humanitária, sanguessugas do povo, mais interessados em carros de luxo do que no bem estar da população...

Mas, o momento histórico é propício para que a “ave da crise” ponha um ovo, do qual nasça um pássaro com plumas mais vistosas do que as do urubu, que hoje assombram a política e a economia nacionais. Enfim, continuamos “Tupis”: filhos e povo de “Tupan”, cuja esperança jamais morrerá.

Inácio Strieder é professor e escritor. Recife- PE.