UM DEUS INATINGÍVEL

Por: Anderson Du Valle

A necessidade em se ter no quê acreditar, em se ter a quem reivindicar, pedir, suplicar, implorar, redimir e culpar, fez com que criássemos involuntariamente uma figura divina, onipotente onipresente e onisciente que apesar de todas as não bem aventuranças concedidas, ainda conta com a generosa cumplicidade de interpretação de seus criadores para que tudo de alguma forma seja abrandado, explicado e possa fazer algum sentido.

Esse afã em pronunciar a “palavra” e fazer com que ela se concretize oriunda de bênçãos, é sem duvida bastante relevante em vários aspectos. Primeiramente por direcionar energia positiva a um ponto, objeto de grande interesse e motivo de repetitivas inserções mentais, logicamente que o que chamo de mentalização e positivismo, muitos chamariam de fé, com o agravante “irracionalização”. Reconheço que alguns necessitam de ídolos para se espelhar ou esporas para que se estimulem os passos, o que faz com que o que parecia improvável, não impossível, mas improvável, aconteça e possa ter uma designação milagrosa. Em segundo lugar está à harmonização das classes, o encaixamento do humano tomando seu lugar de fato como engrenagem social, que se movimenta como placas tectônicas, provoca um ou outro efêmero desequilíbrio, mas que segue em conjunto de mãos dadas com suas diferenças mais profundas. Mas o que isso tem a ver com esse ser divino? Ora, com ele nada, mas sim com sua expressão. Quem comanda ou detém o conhecimento, também tem a “manipulação” como a mais eficaz forma de repasse destas informações, isso vem de cima pra baixo, tipo: eu crio, eu dito e você acredita sem contestar. As grandes congregações religiosas são formadas por uma elite clérica/política abastada que consegue passar às classes menos favorecidas uma visão de um Deus pesado, repressor, cruel e vingativo, além de um aliado irrefutável como parceiro didático e doutrinário culminando em alcançar um objetivo há muito meticulosamente planejado, além de uma sustentação menos provável onde conta com a indolência bovina dessa classe espoliada para que esse direcionamento se materialize em forma de submissão. Isso faz com que o povo seja contido em suas trincheiras. A religião consegue prender a mente humana, tão frágil e carente de heróis e deuses, com uma facilidade tremenda na medida em que lhe impõe limites de pensamento e posicionamento. Qualquer coisa que não esteja ao menos implícita nas escrituras “sagradas” pode se tornar uma maldição em sua vida e este temor vai te guiar servindo de parâmetro para toda e qualquer escolha que porventura se ouse fazer baseada apenas na prerrogativa do livre pensamento ou livre arbítrio, se desejar essa conceituação. Mas se mesmo assim a maldição assolar a sua família e levar a cabo tudo o que foi plantado em anos de devoção, é porque tinha que ser assim, essa é a vontade suprema. A religião é a maior ferramenta de controle da expressão humana.

O anseio a galgar novos patamares na vida é um fator determinante para que se aprisione uma “alma”. Isso leva a ilusão do deslocamento social vertical. A teoria da prosperidade que encanta e é alardeada nos púlpitos, faz com que a evolução material seja iminente. Nada pode conter um garimpeiro quando este sente a presença inebriante do ouro, mesmo que ele esteja em longínqua distância da qual uma vida seria pouco para alcançá-lo, porém a media em que ele cava, migalhas em forma de pepitas de pouco valor, são distribuídas democraticamente em seus dias mantendo sua convicção acesa e assim os olhos fixos no filão, que muito provavelmente nunca virá.

O dia em que o homem não mais se deixar prender por parábolas e versículos interpretados tendenciosamente e circunstancialmente por pretensos profetas, quando o amor superar o medo e houver a compreensão de que tudo é lúdico e rentável apenas para uma parcela elitizada e dominante, quando o homem tiver a coragem de dizer ao seu sacerdote ou ao seu governante que a sua procuração de representatividade está vencida e não se faz mais necessária, quando esse dia chegar, a convicção será substituída pelo pensamento livre e esse homem terá assassinado dentro do seu peito esse deus ególatra de projeções ilusórias e então esse homem conquistará a consciência da sua força e será imbatível, incontrolável e os direitos de igualdade se farão valer, pelo amor ou pela dor de toda uma raça. Poderemos enfim lamentar as perdas que se amontoaram pelo caminho ou celebrar com o néctar extraído das melhores videiras dos deuses. Eles já não irão mais se importar.