AS CORDAS

“Pula Rapadura! Sacode Violeta!” Dizia o bordão do comediante agitando com vigor as cordinhas de duas marionetes, uma em cada mão. Parecia apenas lúdico e provocava risos quando observado através das lentes infantis, tempos em que a prerrogativa da analogia ainda não está bem definida. A cada puxão daquelas cordinhas os bonequinhos saltavam e de acordo com a intensidade saltavam mais, ou menos, “pula Rapadura” e lá o Rapadura saltava, “sacode Violeta” e o Violeta se contorcia. Hoje a visão mudou, nossas cordas parecem bem mais frágeis e notadamente estão atingindo um nível de tensão extremo, algumas delas já apresentam fissuras e a intensidade do puxão pode provocar rupturas irreparáveis. Alguns de nós já tentamos subsidiar as cordas, criando controle sobre outros e assim poder bradar para que pulem os “Rapaduras” e sacudam os “Violetas” que nos cercam, chamo de subcordas, subcontroles, subsistência. De acordo com a elasticidade das cordas podemos viver muito e sua complacência nos permitir arrastar nossa bunda no chão, mas também podemos vê-las tesar, nesse caso nos enforcamos ao saltar do banquinho.

Temos duas alternativas para lidar com as cordas, uma é permitir que elas nos conduzam, saltando ou rebolando até o dia de seu definitivo desenlace, o que pode acontecer no ato do primeiro empuxo ou depois de empuxos variados em direções diversas, neste caso podemos prolongar sua vida “útil” tornando nossa carga mais leve ao abrirmos mão de algumas bagagens obsoletas, como o cérebro, por exemplo, afinal serão quase 2kg a menos e nem sentiremos remorsos, já que este é um sentimento e ao contrário do que se pensa os sentimentos não estão guardados no coração. A outra alternativa seria avolumarmos nossa bagagem com pensamentos livres, sentimentos sólidos e pensamentos dissolutos, nada que esteja previamente implícito no pacote padronizado, que por sinal é muito leve, afinal, quase não há conteúdo. O livre pensamento, desconectado de todas as cordas que nos tolhem os movimentos, nos torna seres pesados e de difícil locomoção, certamente não volitaremos em meio a blocos de conveniências, arranha-céus de conluios sociais e paredões de preconceitos enrustidos. O livre arbítrio não me parece algo contraditório nestes casos, agarrar-se a cordas para não naufragar em águas turvas, é uma opção, mas largar-se e saltar no vazio das emoções sem que a segurança de um porto seja uma certeza, embora pareça incoerente, é no mínimo excitante, é um exercício sem igual, algo que só se pode experimentar quando ultrapassado o limiar da fronteira entre a consciência de cara e a proscrita realidade. “Pula Rapadura! Sacode Violeta!” Ainda é bem legal, ainda provoca risos, mas só porque nos permitimos sorrir.