O CACHORRO DO PADRE

O CACHORRO DO PADRE

Eu tive um amigo, padre católico, que tinha um cachorro. Digo tive porque há vinte anos não o vejo, nem sei se ele está vivo ou se continua padre. Eu ia frequentemente à casa dele, nos fins de tarde, discutir teologia, liturgia – ele era um excelente músico – e tomar um chimarrão. Lembro, na primeira visita, me chamou a atenção o cachorro do sacerdote. Era um jaguané de raça indefinida, pelagem preta e branca, de tamanho médio e cara de poucos amigos. Ao ver o bicho, como costumo fazer, tentei passar a mão em sua cabeça. Pois não é que o cão me estranhou? Rosnou alto e mostrou os dentes ameaçadoramente.

Quando o padre viu a reação do cachorro, me advertiu que ele não gostava que botassem a mão nele; só admitia ser tocado com o pé. Depois de uns dois ou três “bicudos”, o dog se acalmou e foi para seu lugar: atrás do sofá. O gozado da história era o nome do bicho: “Amigo”.

Pois é, lembrando a história do cachorro do padre me vem à cabeça a história de muita gente, que ao contrário do senso comum, não gosta de carinho, mas prefere ser tratado a pontapés. Tem mulher que gosta de apanhar do marido. Conheci uma maluca que dizia: “Você não gosta mais de mim... faz vinte dias que não me bate...” Tem aluno, por exemplo, que prefere ser maltratado pelo professor a desenvolver uma mínima interação com ele. Conheço mulheres que trabalham para sustentar marido malandro e não fazem nada. Uma vez, na praia, escutamos uma gritaria de mulher vinda da rua lateral à pousada. Corremos até lá, meu filho, o genro e eu. Constatamos que era um cara batendo numa mulher. Ela estava no chão e o machão chutava a infeliz. Já chegamos lá enchendo o valentão de tapas. A mulher se levantou, recompôs a cara quebrada e o olho roxo e bradou: “O que vocês têm que se meter? Ele está batendo no que é dele!”. Deu vontade de encher a mulher de sopapos. Um outro apanhava da mulher e da sogra e não se importava... Tem gente que parece que não gosta de si mesmo, vive se odiando, incapaz de se valorizar e de defender sua integridade.

Na vida, real ou alegórica, tem muita situação parecida. Acontece nas famílias, na educação, na saúde e em tantos segmentos sociais. A classe política, gente dos Três Poderes da República está sempre chutando o povo e muitos de nós babam de admiração por eles. Tem corruptos encastelados no poder, cujas atitudes a gente execra, o bom senso condena, mas na eleição acaba votando neles de novo. Nisso se inclui um Legislativo corrupto que cria leis ao arrepio dos interesses do povo, de um Executivo omisso e laxista e, sobretudo um Judiciário arrogante e anacrônico, que não faz justiça, ganha muito e não produz nada.

Com isso, o povo fica como o cachorro do padre: acostumado a levar pontapés, sem saber o valor de uma atenção mais efetiva.