Deixar

Deixei de gostar do modo como expressam nossa partida. Soa imediatista. Parece solitário. É cruel. Separar-nos de nossos pais e passar a morar sozinhos pouco se parece com o exato momento em que um pequeno pássaro pula do ninho e bate as asas pela primeira vez.

Desde miúdos fomos ensinados a tomar banho, a pentear os cabelos, a escovar os dentes. Disseram-nos para arrumarmos nossos quartos. Mostraram-nos que estudar era necessário. Doutrinaram-nos a pagar as contas. Inseriram-nos na sociedade. Forçaram-nos a sermos independentes. A coisa toda ficou mais séria, mas certamente não é como se estivéssemos despreparados. Já sabemos voar, e faz tempo.

Às vezes, creio que todos nos perguntamos se os adultos realmente acham que estaremos sozinhos no mundo. Imagino todos nós fazendo aquela cara de “Sério isso?”. Na analogia do pássaro que pula do ninho, fica implícito que outros pequenos filhotes passarão pela mesma experiência. Como num digno bando, as outras pequenas aves, e nós, voaremos unidos.

Agora, por favor, paremos com toda essa besteira de passarinhos. Por mais bobinha que seja a comparação, é aterrorizante esboçar mentalmente a longuíssima queda livre de um penhasco. Apesar de estarmos preparados e de termos companhia, trazer à tona as possíveis consequências da falha, é crueldade. Estamos prontos. Vai dar certo! Afinal, é só questão de deixar: deixar os pais, deixar que sejamos livres.