O pecado de nascer mulher

Hoje, na televisão, muitos assistiram à notícia de que foi constatado que uma em cada três pessoas acredita que a mulher é culpada pelo estupro. Embora isso não seja novidade, não diminui a revolta por vermos o quanto a vergonhosa e arcaica cultura do estupro ainda está enraizada em nossa sociedade. O que essa crença tão errônea que prega que a mulher é que provoca o estuprador ensina sobre nós, as mulheres? Que nascer mulher é um pecado pelo qual todas nós temos que nos redimir por toda a nossa vida. Se formos estupradas, espancadas, feridas em nossa dignidade, forçadas a um ato totalmente contra a nossa vontade e até assassinadas, nós é que somos as criminosas, não os estupradores. Somos as criminosas por não termos nos comportado com decência, por usarmos roupas inadequadas, despertando o pior lado do homem que não é o culpado por ter cometido um ato covarde contra a integridade física e a liberdade da mulher.

O que tudo isso dá a entender? Que a mulher é naturalmente má, pecaminosa, suja, imunda mesmo. Justamente por isso é que temos que ser recatadas, submissas, não provocarmos os homens. Desde tempos imemoriais, as mulheres são culpadas de praticamente tudo. Eva foi a culpada pelo pecado original. A menstruação era uma prova da impureza feminina. Mulher não podia ter orgasmos e o desejo feminino foi reprimido por anos seguidos, já que o sexo tinha a mera função reprodutória. Outras provas de que a mulher era má e tinha que pagar por ser mulher eram as dores do parto, pois Deus, ao expulsar Adão e Eva do Paraíso, teria dito a Eva que ela sofreria ao dar à luz e que teria de ser submissa ao seu homem.

Também vale salientar que muitas das bruxas caçadas na Idade Média eram mulheres com conhecimentos invulgares. Sabiam usar ervas para remédios e ferimentos e isso era considerado bruxaria.

Freud, examinando casos de histeria, constatou o desejo sexual feminino reprimido e observou que a mulher também precisa de satisfação sexual. Porém, por muito tempo, deu-se um viés negativo à sexualidade feminina. Ironicamente, a mesma sociedade machista que sempre obrigou as mocinhas a casarem virgens obrigava os rapazes a adquirirem experiência, tanto que eles eram estimulados a procurarem meretrizes. Assim, havia as moças direitas, que eram para casar, e as mulheres "da vida".

Até hoje, a mulher sofre com o estigma do machismo, como constatamos com o caso da moça que sofreu o estupro coletivo e cujo vídeo da agressão circulou na Internet, expondo a ferida da cultura do estupro, uma nódoa que ninguém gosta de ter exibida. Quem gosta de admitir que é preconceituoso? Mas o preconceito existe, mesmo entre os que se dizem modernos e sem preconceitos. Até rapazes que se consideram de mente aberta são preconceituosos e machistas, criticando meninas que usam saia curta e desprezando moças estupradas, dizendo que elas facilitaram o abuso. E eles não querem namorar meninas consideradas muito modernas.

A verdade é que vivemos em uma sociedade basicamente preconceituosa, que exclui os diferentes, uma sociedade torta, errada e monstruosa. Somos uma sociedade de machistas, homofóbicos, racistas, antissemitas e tudo o mais.

E do jeito que vai, pensemos bem porque, se é normal que a culpa seja da vítima de estupro e não do estuprador, então, se um homofóbico assassinar um homossexual, de quem será o problema, do agressor ou agredido? Se um racista agride um negro ou índio, de quem é a culpa, do racista ou do agredido, por ser negro ou índio? Se, na escola, uma turma persegue um colega por ser gordo, nerd, baixo ou sabe-se lá mais o quê, de quem é a culpa? Dele, por ser como é?

Por que as mulheres ainda têm de se redimir por ser mulheres? Quando um homem comete um erro, isso só atinge aquele homem, mas quando uma mulher erra, parece que atinge todas as mulheres. Até quando nós, mulheres, teremos que lutar contra todos os preconceitos e injustiças de que temos sido vítimas?