O Casamento Mudou - II

O Casamento Mudou

“Já não se faz mais casamento como antigamente”.

A frase, de duplo sentido, pode significar o ritual, a festa ou a convivência diária.

Casamento virou superprodução com direito a roteiro de cinema, assessoria, estilista, cinegrafista, fotógrafos, organizadores, floristas, massagistas e mais uma infinidade de "istas" e de gente dedicada exclusivamente para que a ocasião seja inesquecível... Principalmente no bolso.

Já não se casa simplesmente pela celebração e pelo rito que, em última análise, deveria significar a comunhão, a união com propósitos de vida em comum embasada no sentimento mais nobre: o amor. Se assim fosse, bastaria a decisão, a oficialização e para quem quer, o rito religioso.

Mas já não é bem assim. Há uma curva ascendente e voraz na exigência de igrejas decoradíssimas, vestidos exuberantes, cardápios nababescos e lembranças inesquecíveis. Às vezes o estímulo visual e sonoro é tanto que a data fica marcada não pela beleza ritualística do casamento, mas sim pelos efeitos especiais que, de tão gritantes, beiram o mau gosto.

Mas o casamento não mudou apenas na tentativa cada vez mais absurda de sobrepujar todos os casórios anteriores.

Há pouco mais de 50 anos, significava atingir o auge da ambição, principalmente a feminina. Se o sujeito fosse bonitão e bem sucedido, o famoso "partidão”, era a glória.

Chegar solteira aos trinta? Jamais! Uma tragédia!

Na maioria das famílias a estrutura era paternalista e machista.

As pessoas se adaptavam, os sonhos eram readequados e os valores familiares seguiam uma cartilha que nem sempre permitia questionamento ou mesmo diálogo.

Neste cenário a mulher, com poucas exceções, era vista como colaboradora, dona de casa, mãe de família, uma verdadeira “rainha do lar”.

A infidelidade, e neste caso sobressaía a masculina, era tolerada como um comportamento "típico de homem".

Mulheres insatisfeitas e resignadas. Homens compelidos a determinados padrões para se enquadrarem ao papel que a sociedade lhes cobrava, geravam em muitos casos, relacionamentos quase que exclusivamente frustrantes.

Felizmente isto mudou. E mudou rápido.

Não há que se falar hoje em dia nesta figura feminina passiva e nem nesta figura masculina absurda.

Com algumas exceções que ainda colocam o casamento no auge da realização pessoal, a busca por um parceiro ou parceira não é mais questão de honra, de desespero, competência e nem de orgulho.

Mulheres e homens vivem muito bem sozinhos e muitos pensam duas vezes antes de assumir um compromisso se não tiverem absoluta certeza da qualidade dele.

Mas, por outro lado, a exigência atual para um bom relacionamento é gigantesca.

Não nos basta mais apenas segurança, o amor declarado, o companheirismo ou a estrutura familiar. Queremos mais. Queremos as viagens fantásticas, os jantares inesquecíveis, as surpresas constantes, os cenários de novela e a felicidade suprema, irrestrita, inquestionável, irreparável! O tempo todo! Todos os dias! Como um parâmetro indiscutível para a continuidade do casamento ou do relacionamento.

Para começar, isto não existe.

A mulher perfeita, leve e solta dos comerciais de margarina que anda sorridente pela praia, descalça e flutuante em seu vestido diáfano pode até existir em uma viagem de férias, após algumas taças de vinho ou quando recebe uma notícia maravilhosa. Na maioria das vezes, entretanto, é apenas uma criação da mídia.

Homens charmosos, elegantes, bem sucedidos e profundamente interessantes o tempo todo também são criações virtuais.

Portanto, este mundo utópico onde casais flutuam em alegria e felicidade inebriantes não é real e possui facetas bem menos glamorosas: as preocupações do dia a dia, as enxaquecas, as dívidas, os problemas na escola dos filhos, a insatisfação pessoal, a frustração dos planos e do desgaste cotidiano.

O humor varia, porque nossas emoções, sentimentos e pensamentos também são variáveis e é preciso compreender que há uma individualidade psicológica, social, física e emocional que muitas vezes não se comunica com a unidade buscada no relacionamento. Antes de sermos casal, somos pessoas com diferentes ciclos e ritmos.

E é exatamente neste contexto que oscila entre alegria e tristeza, satisfação e busca, frustração e encantamento, medo e felicidade que os verdadeiros casamentos devem sobreviver. Cá entre nós, é muito fácil viver um conto de fadas onde há sempre festa, mas quando os questionamentos surgem no meio da noite, é quando mais se precisa do carinho, do respeito, da compreensão e do amor que são os alicerces de qualquer relacionamento.

A maior mudança do casamento nestes últimos anos, entretanto, foi saber o que se quer "de" e "em" um relacionamento, onde sacrifícios e adaptações para apenas agradar ou para "manter as aparências" já não se justificam.

A violência da famosa “concessão" gera um saldo emocional e psicológico terrível que no final, inevitavelmente volta com as garras afiadas da cobrança e até da culpa.

Casamento (ou qualquer relacionamento estável) exige construção, valorização e crescimento. Pede igualdade, fidelidade, responsabilidade, entrega, comprometimento, sentimento e até mesmo devoção. Mas exige também compreensão.

Compreensão de que é impossível buscar ter valor com base no valor do outro, compreensão de que ninguém muda simplesmente porque se casou ou resolveu unir as escovas de dente; compreensão de que é impossível ser feliz com base na felicidade de alguém.

Portanto, quando estes objetivos não são alcançados, é comum a separação e a retomada da busca pela tão aclamada “felicidade”; seja sozinho ou acompanhado. Não importa. O que importa realmente é a satisfação.

Acima de tudo, porém, é preciso primeiro olhar no espelho e amar o que se vê, com toda a fragilidade, defeitos, medos e arestas. Só assim estaremos preparados e prontos para a entrega. Caso contrário, é possível que a união ou aquele casamento fantástico que custou os olhos da cara acabe sufocado pela intolerância, frustração, impaciência ou termine com as discussões absurdas e cheias de mágoa por assuntos tolos e irrelevantes como a nova cor das cortinas.

Edeni Mendes da Rocha
Enviado por Edeni Mendes da Rocha em 14/10/2016
Reeditado em 14/10/2016
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