A engrenagem

É preciso ter consciência dos "economic ties between the legal and illegal worlds" (laços econômicos entre os mundos legal e ilegal), no dizer de certo escritor.

Isso é aplicável, no caso brasileiro, embora da forma mais disfarçada e menos ostensiva possível, aos sistemas político, judiciário, em alguns casos militar e de segurança, envolvendo as polícias civil e militar. Com a agravante da proteção disponibilizada a tais laços por um verdadeiro sistema de impunidade que beneficia até mesmo o cidadão comum, quando tira a vida de outro e consegue responder em liberdade ou ser libertado em pouco tempo.

Essa engrenagem, de ampla penetração no espectro social que a ela se condiciona, tem sido a responsável pelos inúmeros insucessos na vida político-econômica de diferentes países, sobretudo no mundo subdesenvolvido, afetando a sua projeção internacional. Mas responde pela construção e consolidação de fortunas unilaterais de grupos ou indivíduos para quem a realização pessoal, traduzida pela acumulação de riquezas, é sempre muito mais importante que o desenvolvimento do país. A ponto de organizações desse tipo, de procedimentos e objetivos inconfessáveis, terem uma pujança e peso tão grande que ninguém, de alguma forma, possa deixar de ter algum tipo de injunção ou mesmo compromisso com elas. É como se fosse uma barreira que a cada dia ganhasse alguns centímetros na base e na altura, tornando-se impossível a sua transposição.

Tão forte é a presença dessa engrenagem na vida diária dos indivíduos que obviamente não se espera que ela possa ser removida nem no longo prazo. As forças contrárias a eventuais obstáculos ao seu funcionamento, consolidadas há anos ou séculos, têm condição mais do que suficiente para impedir que a engrenagem se deteriore. Embora seus próceres tudo façam para garantir à sociedade que sempre estarão vigilantes quanto à probidade, seriedade e os mais nobres atributos que devam nortear as funções administrativas e o progresso da nação. Hipocrisia com a qual há muito nos habituamos.

No entanto, aprendemos quando crianças que “a esperança é a última que morre”. Por isso, não nos devemos envergonhar de a cada dia, por menor que seja, darmos demonstração de que essa força que nos envolve e governa na verdade não tem legitimidade para isso, apesar da nossa aparente resignação.

Rio, 15/11/2016

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 16/11/2016
Reeditado em 20/11/2016
Código do texto: T5825043
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