SANDUICHE DA VERGONHA

Ainda no dia 08 de novembro, neste mesmo meio de comunicação, este colunista abordava a questão da ingerência na Assistência Social em Goiânia, ladeada ao descaso com o qual nossos idosos vêm sendo tratado pelo poder público, mas, talvez, um dos mais vergonhosos e recentes casos repercutido na imprensa goiana, chamado à atenção até da mídia nacional e chocado o povo brasileiro tenha sido a notícia de um corpo de um idoso de 68 anos encontrado no vácuo de um poste de ferro usado em expansão de redes de alta tensão em avançado estágio de decomposição. Sim. É verdade! Uma vergonhosa notícia que se ler na atualidade em inúmeros jornais, revistas eletrônicas, blogs, sites e diversos outros meios de comunicação de acesso à massa.

O cadáver somente foi encontrado na noite de domingo do dia 20 de novembro no canteiro central da Avenida Viena, nesta Capital, graças à exalação de um forte odor detectado pelo olfato de moradores e transeuntes das imediações, obrigando-os a acionarem por duas vezes a corporação dos bombeiros que serraram o poste que estava deitado com auxílio de serra elétrica, porém, a julgar pelo estado de decomposição do corpo, o mais provável é que a pessoa tenha morrido há cerca de duas semanas antes de ser achado.

O corpo que, a princípio não havia sido identificado, trata-se do corpo de um senhor idoso que, em vida, era profissional do ramo da carpintaria que, há muito, acometido de distúrbios psicológicos, fazia acompanhamento com profissionais da área, mas uma vez recebido liberação do hospital por ordem médica e não conseguindo uma nova internação, os problemas de saúde se agravaram, levando-o a desertar por ruas da Capital, à mercê da sorte (ou da falta dela, ou ainda do descaso com o qual tratamos os idosos deste País entregue à corrupção e aos ganhadores de altos salários que, muitos, pouco ou nada fazem pela classe oprimida).

De acordo com familiares o idoso, às vezes, saía e ficava até cinco dias consecutivos sumido, mas sempre voltava, ou pelo menos dava notícias via telefone, outrora até pedia para parentes ir buscá-lo onde quer que estivesse, mas, diferentemente das outras vezes, no último dia sete de novembro, depois que o idoso saiu, não mais voltou, tampouco fez contato. Com o sumiço e falta de notícias a família começou a procurá-lo em diversos lugares, entre buscas nas clínicas, hospitais e pedidos de ajuda nas redes sociais, mas não conseguiu nenhuma informação sobre ele.

Fatos dessa e de outras naturezas vergonhosas acontecem com um grande teor de frequência nesta Nação, dado a um misto de inexistência de políticas públicas de qualidade e falta de efetiva transparência, seriedade e responsabilidade do poder público para com o cidadão.

Em relação aos postes deitados no canteiro central da avenida eles foram deixados no local há quase três anos! Sim, há quase três anos! Seriam instalados nas obras de expansão de uma rede elétrica de alta tensão pela Companhia Energética de Goiás (CELG), porém, assim que um relatório do Banco Internacional de Desenvolvimento (BID) apontou várias irregularidades no processo, a Eletrobras suspendeu a execução da obra e os postes não foram recolhidos, ficando lá para serem deteriorados pela ação da natureza, dos vândalos, para se transformarem em criadouros dos Aedes, aegypti, transmissores da chikungunya, do vírus zika e da dengue e, no último caso, para servir de uma espécie de urna fúnebre temporária para aqueles deixados ao acaso pela ingerência goianiense, goiana e brasileira.

Mas a questão dos postes é simplória, se observado o valor de mais uma vida que se foi. Uma vida que para o Estado é apenas mais um número nas estatísticas, pois vidas e mais vidas se perdem, a cada segundo, de variadas formas neste País entregue ao poder financeiro de poucos e omisso à miséria de muitos. Simplória e comum, nesta Nação transformada pelo poder público num gigantesco e vergonhoso cemitério de obras superfaturadas, inacabadas e abandonadas.

Pior que tudo isso é o descaso com o ser humano de pouco ou nenhum poder aquisitivo, mas que podendo ou não é obrigado a pagar um dos impostos mais caro do mundo e na velhice não ter retorno algum, nem mesmo um pouco de dignidade e respeito. Vivemos nesse e em outros milhões de casos assim a vergonha que o Estado, enquanto instituição detentora do poder sobre nós nos impõe de ver um cidadão que depois de trabalhar uma vida inteira, termina seus dias dentro de um poste, feito sanduíche, sanduíche da vergonha jogado às avenidas motivado pelo desespero causado não necessariamente por um problema psicológico, mas pela falha estatal de uma instituição que desvia milhões e milhões de verbas públicas para satisfazer os prazeres governamentais e parlamentares corruptos e deixa um cidadão pagador de imposto à mercê da sorte, da mais cruel sorte.

Esse é só mais um caso, é só mais um número para o poder público catalogar como fatalidade meramente por ter repercutido na mídia, do contrário, nem entraria para os dados estatísticos. Isso somente acontece com pessoas financeiramente simples e sem influência, porque se assim não fosse, as atenções para ele, tanto na tangente da assistência social, quanto da saúde teria sido outra.

Digo isso porque, ainda de acordo com informações da família, mesmo depois de o idoso com transtorno bipolar ter sido internado duas vezes, no fim de março de 2012 e em 27 de julho deste ano, foi liberado do hospital em 19 de agosto por ordem médica e depois não mais conseguiu tratamento, não mais recebeu acompanhamento médico adequado quando de fato o idoso deveria sim, ter ficado mais tempo internado, ou pelo mesmo sendo assistido pelos profissionais da psiquiatria. E olha que não sou eu quem está dizendo isso não. Quem sou eu? Um indivíduo totalmente leigo na área da medicina para dizer se um paciente está apto ou não a receber liberação hospitalar por ordem médica? Quem disse que o idoso precisava de um acompanhamento ambulatorial constante foi o próprio médico que o atendia na clínica de psiquiatria. Mas também não devemos crucificar os profissionais não! Ora, talvez nesse caso não, mas quantas vezes já vimos notícias de médicos serem pressionados para liberar pacientes, a fim de ampliarem as vagas nos hospitais como maquiagem de boa saúde oferecida pelos governantes? Quantas!?

A filha do idoso relata que, vendo que o pai não conseguia se estabilizar, ficando inquieto e agito a cada dia, procurou atendimento para ele na mesma clínica que antes havia sido internado, em Aparecida de Goiânia, mas não conseguiu.

Já a Secretaria Municipal de Saúde de Aparecida de Goiânia informou que a Política Nacional de Saúde Mental preconizada pelo Ministério da Saúde e realizada pela rede de saúde mental de Aparecida não trabalha com internação compulsória. Uma pessoa que não estaria em seu estado mental normal teria mesmo vontade própria ao ponto de saber o que seria melhor para ela? Quem disse que uma pessoa em estado mentalmente perturbada responde por si? Isso nada mais é que uma desculpa descabida dos órgãos (in)competentes Brasil adentro como forma de fugir da responsabilidade. Se a Secretaria Municipal de Saúde de Aparecida de Goiânia não trabalha com internações compulsórias, cumprindo regimento ministerial que, pelo menos, acolhesse e informasse melhor a família do paciente para que medidas favoráveis fossem tomadas para o paciente não se tornar um corpo sem espírito, um cadáver. Tenho certeza que qualquer família em qualquer lugar deste País aceitaria melhor uma internação compulsória de um parente, a vê-lo morto, principalmente de modo vergonhoso como aconteceu também com esse idoso.

Séria somente impressão deste colunista ou, às vezes, muitos regimentos vieram meramente para atrapalhar ou interromper o curso vital dos menos favorecidos?

Numa segunda nota da coordenação de saúde mental de Aparecida de Goiânia relata um paciente que sempre chegava à unidade hospitalar com higiene pessoal comprometida. Novamente seria mera impressão minha ou alguém realmente estaria querendo atribuir a culpa à família pelo descaso com o idoso? Se assim for fica fácil. Mas a verdade é que não é bem assim e sabemos disso. Este é o Brasil que temos senhores leitores. Este é o Brasil que temos senhores leitores. É este o Brasil que temos senhores leitores. O País onde ser político custa caro aos bolsos da sociedade e um país que pouco se investe em saúde, educação, esporte, lazer e cultura. Por falar na falta da cultura, o idoso participava de atividades culturais tocando gaita num centro de cultura que também foi fechado, possivelmente pelos cortes públicos e ficou sem praticar a atividade. Esse é outro problema que atinge os idosos deste País.

Gilson Vasco
Enviado por Gilson Vasco em 26/11/2016
Código do texto: T5835412
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