A APOSENTADORIA DOS CAVALOS

A APOSENTADORIA DOS CAVALOS

Os áulicos legisladores nacionais investiram contra as carroças que faziam transporte de coisas nas grandes cidades. E o dramático dessa investida desastrada não atinge tão-somente as carroças, mas também os carroceiros, uma infraestrutura que está por trás deles, e também dos reflexos sobre um significativo rebanho de equinos, cujo destino passa a correr um ponderável risco.

Eu escutei um desses defendendo a estética, afirmando que é feio uma cidade cheia de carroças, que dão uma impressão de “terceiro mundo”, além da sujeira natural das fezes dos cavalos. Vamos por partes: primeiro, feio é uma sociedade que não dá chances de sobrevivência aos seus cidadãos, especialmente aos mais humildes; depois, não sei em que país vive esse político elitista, afinal, nós não vamos parecer “terceiro mundo”: nós somos terceiro mundo! E, por fim, se vamos condenar a sujeira dos cavalos, teremos que proibir desfiles militares da cavalaria, cavalgadas e piquetes de tradicionalistas, etc. E cavalos são vistos nas ruas de Roma, Paris, New York e Praga. E o pior, sem as carroças de tração animal, os antigos carroceiros puxam sucatas de carrinhos de supermercado e outras engenhocas, com visão mais deprimente.

A maioria dos condutores das carroças trabalha como papeleiro, reciclando papelões recolhidos, que se torna uma efetiva fonte de renda para muitos moradores de periferia, o pessoal que reside nas ilhas do Guaíba. Ora, considerando a faixa etária, é difícil para eles, depois de certa idade, mudar de atividade e recomeçar em outra área. Há que se considerar também a função ecológica dos papeleiros, sem cujo recolhimento de materiais, acarretaria acumulo de objetos inservíveis e lixo.

O projeto dos luminares prevê a substituição das carroças por umas geringonças motorizadas, a exemplo das usadas em Tóquio. Até aí tudo bem. Tudo bem não! Como é que um carroceiro, muitos deles analfabetos, vai obter habilitação para dirigir um carrinho motorizado? De cem pessoas, no máximo cinco seriam aprovados. Vão resolver um problema “estético” e criar um social, sem precedentes. É como dizer, parafraseando a decapitada Maria Antonieta, “se não tem carroças, andem de furgão”.

E os cavalinhos que puxavam as carroças? Por muitos anos eles prestaram serviço, sacrificados pelo peso das cargas e pelo chicote do apressado condutor. Não só os papeleiros vão perder o emprego, mas também os animais vão ficar no desvio. O que vai ser deles? Vendidos às fábricas de salsichas? Sacrificados “em nome do progresso”? Essa aposentadoria não vai fazer ninguém feliz.