PARA QUE SERVE UM BOLETIM DE OCORRÊNCIA (BO)?

Prólogo

Um Boletim de Ocorrência (BO) é um documento produzido pela Polícia Civil e contém informações, a partir de um acontecimento, que podem ser utilizadas para a elaboração de um inquérito policial ou um Termo Circunstancial de Ocorrência (TCO), que são encaminhados para a Justiça. Ocorre, no entanto, que pessoas ameaçadas, vilipendiadas, agredidas, roubadas ou furtadas, já registraram um ou mais BO e nunca obtiveram retorno do que aconteceu.

Sem querer discutir o mérito dessa desídia, em verdade, essa denúncia em forma de BO acaba se perdendo entre milhares de ocorrências sem qualquer direcionamento ou providência. Para mim, salvo outro entendimento, essa vergonhosa omissão equipara-se à coparticipação ou conivência.

A efetividade do Boletim de Ocorrência (BO) precisa ser repensada pelo Sistema de Segurança ou a nossa Carta Magna (CF/1988) precisa urgente de uma reforma, mormente no seu artigo 5º — (artigo principal — Direitos e Garantias Fundamentais). De que adianta assegurar que todos os brasileiros e os estrangeiros residentes no País têm direito à segurança se uma pessoa prova que foi ameaçada, solicita (pede socorro) e as autoridades fazem ouvidos moucos e vista grossa?

UM POUCO DE HISTÓRIA

Casos que ganharam repercussão pública, como os assassinatos de Sandra Gomide (Agosto/2000), Eliza Samudio (Julho/2010) e agora a mais recente (31/12/2016) chacina ocorrida em Campinas,SP, mostram que, quando se trata de violência doméstica, as ameaças têm que ser levadas a sério. Essa desculpa de que, “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”, é desculpa para os covardes desidiosos, coniventes e omissos.

Os noticiosos alardearam e, ainda, noticiam, detalhes dessa macabra chacina ocorrida, depois de minuciosamente planejada, na noite de (31/12/2016). Escrevo “minuciosamente planejada” porque antes de cometer os crimes o assassino suicida gravou áudios e mensagens para enviar para algumas pessoas de seu conhecimento. Ninguém tomou a mínima providência no sentido de evitar a desgraça previamente anunciada!

UM RESUMO DO CASO AMPLAMENTE NOTICIADO

Entre 2005 e 2015, a técnica em contabilidade Isamara Filier, de 41 anos, registrou cinco boletins de ocorrência contra o ex-marido Sidnei Ramis de Araújo, de 46 anos, por crimes de agressão e ameaça. Ela também já havia denunciado Araújo por abuso sexual contra o filho na Justiça. Isamara, a criança, João Victor, de 8 anos, e outras dez pessoas foram assassinados na noite de réveillon em Campinas, no interior de São Paulo. Depois, Araújo se matou.

Isamara ganhou a guarda do filho depois de denunciar à Justiça que o menino havia sido abusado sexualmente pelo pai. Segundo a polícia, a decisão judicial deixou Araújo consternado e foi o principal motivo para que ele cometesse o crime. A denúncia foi feita no início de 2012.

O 3º DP FOI OMISSO?

Ora, se foram registrados cinco Boletins de Ocorrência e nada foi feito ao menos para manter o desequilibrado assassino afastado das pessoas ameaçadas... Claro que houve omissão! Entendo, salvo outro juízo, que houve mais do que desídia. O crime foi amplamente anunciado! Essa omissão de quem podia, por força da função, fazer algo, precisa ser apurada!

Os noticiosos escreveram: “O 3º DP de Campinas vai investigar o que motivou os doze assassinatos e o suicídio de Araújo.”. Investigar para que? O que deverá ser investigado se entre os anos de 2005 e 2015 houve várias ameaças devidamente registradas? Ademais, os policiais apreenderam uma gravação com o assassino no local do crime e os amigos do criminoso suicida receberam o aviso como prenúncio da tragédia.

A VERGONHOSA ANALOGIA DA OMISSÃO COM O CRIME DO METRÔ

Aqui cabe uma analogia que comprova o descaso não apenas das autoridades constituídas, mas da sociedade como um todo. Os dois acusados da morte do vendedor ambulante Luiz Carlos Ruas, 54 anos, afirmaram hoje, em depoimento à polícia, que estão arrependidos do crime e que agiram sob influência de álcool. Ora, a embriaguez alcoólica será usada pela promotoria como uma das qualificadoras para a consecução do crime e não como justificativa.

As outras qualificadoras poderão ser "impossibilidade de defesa da vitima" e "motivo fútil". Não resta dúvida que a "cana" será pesada, mas todo esse imbróglio poderia ter sido evitado se os covardes que estavam nas proximidades interviessem no momento das agressões ao falecido.

Quem viu o vídeo da agressão ao assassinado Luiz Carlos Ruas (Vendedor ambulante), igual a mim, deve ter ficado indignado com a omissão dos transeuntes que assistiram, impassíveis, ao espancamento sem tomarem uma atitude preventiva contra os agressores.

Essa é a vergonhosa situação que ora vivenciamos. Ninguém quer se envolver em briga alheia, mas esquecem que muitos crimes em andamento poderiam ser evitados se não houvesse essa postura acomodada e covarde dos omissos.

A atitude alheia, isto é, deixar de prestar socorro a um seu semelhante, para mim, é uma conivência inominável. Assistir, passivamente, alguém indefeso ser agredido e não tomar uma atitude no sentido de evitar um mal maior é covardia e coparticipação passível não apenas de reprovação moral, mas sobretudo penal.

JÁ FUI AGREDIDO POR PALAVRAS E FISICAMENTE

Em três ocasiões fui agredido por palavras. Em uma dessas ocasiões fui esmurrado, mas também dei tabefes, chutes, e até creio que apanhei menos do que o agressor de uma criança indefesa. O menino, 9 ou 10 anos, foi acusado de furto em uma loja. O segurança chutava e esmurrava a criança enquanto outras pessoas assistiam ao espancamento impassíveis. Vi e me envolvi:

— Não faça isso! Chame a polícia ou o conselho tutelar. O senhor não pode agredir dessa forma a quem não pode se defender. – Falei.

— Meta-se com sua vida! Trata-se de um ladrão e vai levar porrada para aprender a ser gente.

Avancei no agressor e puxei o menino de uma de suas mãos. Levei um forte empurrão e retornei ao ataque buscando em volta outras pessoas que pudessem me ajudar. Não recebi ajuda! Ouvi gritos. Chingamentos. Alguém disse: “Deve ser ladrão também...”. “.... Não se envolva nisso senhor. O menino é ladrão mesmo... ”.

Felizmente a polícia chegou e, creio, graças a minha intervenção não houve maiores danos físicos com a criança e tampouco comigo. Em duas outras ocasiões eu me envolvi: 1. Quando um marido furioso agredia sua companheira. Usei o telefone e liguei para 190.... Evitei um crime mais gravoso e depois de um certo tempo procurei o agressor para conversar, orientar e ensinar a discutir a relação conjugal sem agressões verbais e/ou físicas. Mais uma vez obtive êxito.

2. Uma senhora procurou-me para fazer o seu divórcio alegando infidelidade, bem como agressões físicas e morais. Fiz o divórcio, mas antes conversei com o casal. Consegui, depois de muita conversa, transformar uma litigiosa separação numa consensual. Ora, não fiz mais do que minha obrigação como advogado. O próprio juiz, em audiência prévia de tentativa de conciliação, tenta manter o casal casado e em paz.

CONCLUSÃO

O poder estatal é o maior culpado pelas chacinas previamente anunciadas.

Antes de morrer a técnica em contabilidade Isamara Filier, de 41 anos, registrou cinco Boletins de Ocorrência (BO) contra o ex-marido Sidnei Ramis de Araújo, de 46 anos, por crimes de agressão e ameaça. Nada foi feito. A esposa e outras pessoas da família morreram, mas a chacina foi previamente anunciada.

Um borracheiro matou a ex-mulher com sete disparos de arma de fogo, em plena luz do dia, na cidade de Belo Horizonte, dentro de seu estabelecimento comercial, na frente de testemunhas e diante das câmeras de segurança. Esse fato de indignação precisa ser rigorosamente pensado pelos agentes aplicadores da lei. Esse crime, previamente anunciado, foi mostrado pela mídia em 20/01/2010.

Consta da reportagem que a ex-mulher do borracheiro já havia feito 08 (oito) Boletins de Ocorrências Policiais com naturezas de ameaças e agressões. Mesmo tendo sido previamente avisada por oito vezes, nem assim a polícia conseguiu impedir aquele homicídio que, de fato, aconteceu, e da forma mais ousada que se poderia imaginar.

Eis a pergunta que não quer calar: Para que serve um Boletim de Ocorrência (BO)? O artigo 5º da CF/1988 preestabelece em seu caput:

Art. 5o “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no

País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade... ”.

“Às vezes, a mulher não pede [a medida protetiva] porque acha que não é necessário. Essa mulher pode desenvolver uma relação de dependência do agressor, se culpar pela violência e pensar que o agressor vai mudar. É uma situação complicada e precisamos ter uma equipe multidisciplinar para ajudar a romper o ciclo de violência psicológica” – (defensora pública Graziele Carra Dias Ocáriz, titular da 3ª DPE de Defesa da Mulher de Campo Grande (MS)).

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NOTAS REFERENCIADAS

– Constituição Federal Brasileira, de 05/10/1988;

– Imprensa falada, escrita e televisiva;

– Assertivas do autor que devem ser consideradas circunstanciais e imparciais.