A política higienista de Dória

O termo higienismo é empregado para designar políticas de limpeza urbana que visam retirar os moradores de rua de logradouros públicos sob alegações de que essas pessoas transmitem doenças, são criminosos, privatizam o espaço público e prejudicam a estética das cidades. Uma questão não menos polêmica que se encaixa na proposta de "limpar a cidade" se traduz no ato de apagar grafites e pichações, tornando cinza grande parte dos muros que outrora traziam essas expressões.

Antes de mais nada é importante salientar que deixar marcas em muros urbanos trata-se de uma prática de expressão, de manifestação, sobretudo de protesto. Muitos pichadores e grafiteiros explicam essa prática como forma de manifestar-se contra um sistema controlador que não valoriza nem garante oportunidade para grande parte da população se manifestar. Antes de julgar se a prática é esteticamente feia ou invasiva, é importante deixar claro que se houvesse espaço, vez e voz a todos os cidadãos, não haveriam pichações ou grafites que operam na linha da ilegalidade.

Em um dos muros da cidade de São Paulo, há bem pouco tempo, foi pichada a seguinte frase "Tinha parado de pixar. Voltei. Obrigado Dória" Essa frase sintetiza o momento que vive a cidade. Mediante repressão, a prática vai aumentar, pois é esta mesma repressão quem alimenta as pichações. Mesmo com fiscalização e punição dos guardas municipais e policiais militares a prática continuará, pois não há efetivo que dê conta de vozes reprimidas.

Essa questão toda nos leva a relacionar um dos motivos pelos quais existe a indisciplina nas escolas. Segundo Julio Groppa Aquino, professor da USP, a bagunça em sala de aula é resultado de uma escola que não atende às necessidades dos alunos. Não encontrando na escola um lugar em que possa manifestar sua singularidade, o aluno responde por meio da indisciplina o seu descontentamento. Não vamos generalizar que seja assim sempre, porém, por meio dos longos anos de observação dos espaços escolares é possível perceber que se os conteudos dialogassem de forma mais efetiva com a vida dos alunos, eles se entregariam bem mais às aventuras da aprendizagem. Dariam menos trabalho. O mesmo acontece com as pichações. Se houvesse espaço para a expressão popular, se fosse garantindo mecanismos de escuta e de acolhimento a todos, as marcas "ilegais" seriam resumidas a zero, ou quase zero. A prática higienista de Dória anuncia que viveremos uma guerra de spray na cidade. Um picha, o outro pinta. E o que dá lugar a pichação é uma tinta cinza, sem vida, sem identidade. Seria cinza a cor da cidade linda do novo prefeito?

Um outro ponto importante a considerar é a cisão que muitos pretendem quando separam pichadores de grafiteiros. Se não fossem as pichações, não existiriam hoje grandes muralistas como Kranio, Gemeos e Kobra, brasileiros conhecidos e aclamados nacional e internacionalmente. Antes de muralistas, foram pichadores. Eleilson Leite, coordenador de cultura da ONG Ação Educativa e autor da obra Graffiti em SP: tendências contemporâneas, lembra que grafite e pichação caminham juntos. “Muitos dos grafiteiros que hoje são idolatrados, que estão nos painéis e galerias, são os antigos pichadores que sofriam perseguições”, afirma.

Outras contribuições sobre a problematica de criminalizar as pichações são expressas por Bruno Ramos da Liga do Funk e Representante da Liga Nacional da Juventude quando diz que reprimir essa prática é cortar na raiz, os primeiros passos da arte e uma das primeiras formas de se comunicar no mundo. Bruno destaca que a pichação é a forma de se comunicar mais antiga, baseando-se na prática da arte rupestre.

Lembremos que atacar o grafite e a pichação é atacar a juventude periférica que necessita de políticas de inclusão. Como destacado no início dessa fala, se há espaço para todos, as manifestações de protesto não tem porque existir. A pichação é antes de mais nada a estética do caos, e não há como negar que é o caos o grande direcionador da estética da cidade.