Escândalo da carne e corrupção endêmica
 
            Querem maquiar a carne imprópria para o consumo humano ou esconder a parte podre da corrupção endêmica que ameaça a democracia brasileira? O pior cenário é aquele em que essas duas alternativas estejam acontecendo. A operação deflagrada nos últimos dias, pela Polícia Federal e Ministério Público, envolvendo prisões e interdição de frigoríficos, pode sim conter exageros. Se esse for o caso, seus autores devem ser responsabilizados nos tribunais. Mas, é bom lembrar de que não se faz política com o fígado e que também não devemos consumir vísceras contaminadas com hormônio. As autoridades mais gradas deveriam, no mínimo, pedir desculpas aos milhões de cidadãos que os elegeram e sustentam seus salários e cargos vitalícios.

            Pelo contrário, está anunciado que haverá suculento almoço em churrascaria de luxo, com a participação políticos e diplomatas. Certamente, não será servida carne com papelão e nem linguiça fabricada com carne de cabeça. Um empresário quer tirar o papelão de dentro dos embutidos fabricados com carne adulterada, dizendo que a conversa gravada fazia referência “apenas” à embalagem e não ao conteúdo. É bom ficar atento com essa questão, porque o consumidor poderá ser enrolado nessa história de embalagem. É uma questão gravíssima, caso tenha ou não ocorrido exagero. O setor produtivo poderá sofrer impactos a médio prazo, caso tenha ou não substância cancerígena na carne.

            É difícil acreditar no discurso que tenta minimizar a gravidade do problema, pois as marcas mais famosas são mencionadas. A estratégia de algumas delas é contratar atores peludos ou atrizes charmosas para dizer que seus produtos são puríssimos. Até mesmo no espaço existente nos noticiários televisivos, direito de resposta garantido por lei, o discurso das empresas se reduz a falar da suposta qualidade de seus produtos, ao invés de responderem às denúncias, aproveitam para fazer propaganda.

            O escândalo está diretamente relacionado ao sistema endêmico de corrupção que assola parte expressiva dos grandes partidos que governaram o País, nas últimas duas décadas. Essa relação aparece quando se defende, por exemplo, anistia para o crime de caixa dois, perdão para quem recebeu propina junto com doação legalizada ou na tentativa de aprovar a chamada “lista fechada” de candidatos a deputados. Tirar o nome da cédula eleitoral, agora, é tentar oficializar a volta ao tempo do coronelismo.

            Querem usar, até mesmo, estatística para esconder a gravidade do problema, anunciando que são apenas 21 unidades frigoríficas envolvidas e que somente seis delas exportaram nos últimos dois meses. São apenas 33 fiscais investigados, no honrado universo de funcionários do Ministério da Agricultura. Novamente, equivocam ao usar números para tentar minimizar a gravidade do problema. De novo, tentam enrolar a Nação no papelão indigesto que nada tem a ver com o honrado setor produtivo, evolvendo o agronegócio que está ajudando a superação da grande crise do momento.

            É uma estratégia falaciosa porque escondem quantas mil toneladas de carne imprópria foram exportadas ou consumidas no mercado interno. O governo acaba de anunciar a criação de uma força-tarefa para correr atrás do prejuízo. Mas, as tarefas de estado são realizadas na eficiência do cotidiano e não basta fazer mutirões para enganar as aparências e fugir das causas fundamentais, encrustadas nas raízes da rede de corrupção endêmica que ameaça a democracia brasileira.