A INGRATIDÃO

A INGRATIDÃO

A ingratidão é a filha mimada do egoísmo, pois o egoísta só pensa em si, em seus projetos e não liga para o esforço de quem o ajudou. Um ingrato odeia os benefícios que recebeu por não ter como retribuí-los. Procura reduzir sua importância e, pelo contrário, agiganta enormemente as ofensas que lhe são causadas. Como pergunta Sêneca († 65 d.C.) “há alguém mais miserável do que a pessoa que se esquece dos benefícios que recebeu para só se lembrar das ofensas?”. A ingratidão é resultado de uma vida centrada em si mesmo

A sabedoria, pelo contrário, valoriza todos os benefícios, fixa-se na sua consideração e se compraz em recordá-los continuamente. Os maus só têm um momento de prazer, e mesmo esse, breve: o instante em que recebem o benefício, seja um presente ou algo para a vida toda. O sábio, por sua vez extrai do benefício recebido uma satisfação grande e perene. O que lhe dá prazer não é o momento de receber, mas sim o fato de ter recebido o benefício. Isto é para ele algo de imortal, de permanente. O segundo marido da minha avó (meu avô emprestado, “seu” Arlindo) costumava criticar os ingratos: “Esses aí não prestam para nada... A gente pode fazer noventa-e-nove favores para eles... Se deixar de fazer um que seja, não presta!”. As pessoas nem sempre reconhecerão o que você fez; muitas vezes elas só conseguirão ver o que você deixou de fazer. O transe mais amargo dos serem humanos é sofrer a ingratidão. Quando descobrimos que absolutamente nada é definitivo, inclusive a vida, compreendemos a inutilidade do orgulho, das disputas, a estupidez da ganância e a incoerência da ingratidão e de todas as mágoas.

De todas as imperfeições que o ser humano pode demonstrar a ingratidão é a mais letal, a que mais dói. Um ladrão que invade a tua casa não tem nenhum vínculo com você e mesmo que tenha algumas atitudes mais cruéis, e ainda assim seu comportamento não se compara àquele que você ajudou, acolheu e depois te traiu. A ingratidão é uma falha incrustada no coração de muitas pessoas. O homem justo agradece a Deus por todos os benefícios recebidos. O ingrato, repetindo as atitudes injustas do diabo despreza o bem, sempre achando em sua soberba que deveria receber mais, mais até do que mereça.

Eu sempre procuro ser grato, por exemplo, com a entrega da minha mulher, agradecendo sempre sua generosidade, seus cuidados e sua dedicação ímpar com todo o grupo familiar. Nunca deixo de elogiar e agradecer a qualidade da sua comida... Uma pessoa ingrata nunca se satisfaz, sempre quer mais. A natureza humana é ingrata desde o jardim do Éden quando não agradeceram pelos milhares de frutas que podiam comer e só quiseram o proibido (cf. Gn 3,1-8). O pecado primevo do ser humano começa na desobediência, passa pela soberba e acaba na ingratidão. Esse conjunto de más ações é responsável pela queda original.

Jesus fez tudo por nós e também enfrentou a ingratidão. Certa vez mandou os leprosos ir se apresentar ao sacerdote para cumprir o mandamento da lei (Lv 14,1-32) e “indo” (v.14) enquanto iam, foram curados por Deus. Contudo apenas um voltou “dando glória a Deus em voz alta” (v.15).

Qual a diferença entre os nove leprosos ingratos e o único leproso grato? Qual a diferença de uma pessoa que tem gratidão para uma pessoa ingrata? A diferença é que os nove leprosos ingratos foram seguir sua vida e não voltaram para agradecer, também não receberam nenhuma bênção mais, somente aquela cura. Já o leproso grato, voltou e Jesus lhe disse: “levanta-te e vai, a tua fé te salvou”, ou seja, recebeu além da cura, a salvação. Quando somos gratos, Deus sempre tem mais para nos dar.

O egoísta não quer dividir o sabor da vitória, relembrando um momento em que estava “por baixo”. Então nega o benfeitor, esquece-o, até pode agredi-lo e eliminá-lo simbolicamente, porque é humilhante para o seu status atual, fazer referência a um estado anterior de carência. O indivíduo se envergonha de depender de quem quis ajudá-lo. Então, faz aquilo que o ditado popular tão pitorescamente expressa: “cospe no prato que comeu”. A ingratidão é o mais horrendo de todos os pecados.

Ter um filho ou amigo ingrato é mais doloroso do que a mordida de uma serpente afirma William Shakespeare. Dêem dinheiro, não emprestem. Dar só produz ingratos, emprestar faz inimigos e é mais fácil conviver com eles. Na atitude do ingrato emerge a falta de caráter e a ausência de virtudes. A ingratidão é um erro medonho para quem comete e um sentimento doloroso para quem recebe essa ofensa injusta. Ela se transforma em ferida na alma, expressão da desilusão de quem carrega esse incontrolável mal-estar e, em situações não resolvidas, tende-se alongar pela vida.

Se alguém fizer um benefício ao mau não espere recompensa, visto que semeou nas tormentosas ondas do mar. Nunca se viram brotar douradas messes sobre as águas do mar, assim como nunca se viu nascer o reconhecimento no coração do mau. Nem todos reagem de maneira positiva ao nosso esforço, mas dói muito quando alguém que amamos se revela um ingrato. Nunca se arrependa do bem que fez, mesmo que se depare com uma ingratidão. A ingratidão provém, com certeza, da impossibilidade do pagamento moral da dívida.