Tempos mais frios, mais modernos

O folhetim chega à porta de casa, a dona não mais recebe, deixa que passem pela soleira e recolhe depois com pouquíssimo interesse. Cartas não podem ser, menos ainda de amor. Os olhos vagam cegos pelas letrinhas, que logo vão parar no mesmo posto das outras, o lixo. São tempos de informação abundante e saturada, desvalida.

Quando foi que ficamos tão robóticos? A virtude que nos punha acima da cadeia está quase desaparecendo e logo estaremos não feito animais, mas sim feito às máquinas que criamos. Aquelas por quem nunca seremos dominados. Claro, pois! Seremos como elas e assim nem nos perceberão quando passarem seus raios vermelhos por sobre as latrinas. Quando foi que ficamos tão frios? Tão que até mesmo os icebergs se assustam conosco e escorregam para baixo d’água.

Os olhos passeiam pelo tudo e pelo nada ao mesmo tempo; tudo veem, nada enxergam. “Dispositivos a postos, de que mais precisamos?”. Digo então o que mais precisamos, de humanidade! De largarmos nossos mundos falsos de tijolos azuis e brancos! De agacharmo-nos um momento diante de um panorama e deixarmos que uma lágrima brinde a criação magma dos céus. Precisamos de sentir algo pulsando em nossos peitos, e não falo da função “vibrar”. Também de algo enternecendo adentro, e não se trata de um pó branco que se usa para, entremeios, esfolar o nariz e o cérebro. Falo de calor, de vida.

Precisamos de um momento, talvez, distante de tudo que nos afaste da alma. Um mês sem pelo menos a metade destes dispositivos para que também deixemos de ser como eles. Precisamos de desintoxicação. Nesses tempos tão frios, precisamos nos aquecer; do contrário iremos congelar.