NÃO AVISE OS DEMAIS SOBRE AS OPERAÇÕES POLICIAIS: VOCÊ PODE ESTAR SENDO CÚMPLICE DE UM CRIME

*Por Herick Limoni

“Quem poupa o lobo, sacrifica a ovelha” (Victor Hugo)

Certo dia íamos de carro eu, minha esposa e filho para uma pequena reunião comemorativa na casa de um casal de amigos, cujo filho mais velho, aos 18 anos, acabara de ser aprovado no vestibular de medicina de uma conceituada universidade pública, realizando seu segundo sonho, pois a carteira de habilitação ele já havia conseguido. Era por volta das 19:30 horas.

No caminho nos deparamos com uma operação policial, na qual estavam verificando documentos – do carro e dos passageiros – e se não havia nada de ilegal ou irregular nos veículos abordados. Apesar da referida operação ter sido montada em um local estratégico, logo após uma curva fechada, o que impossibilitava uma visão antecipada, eu, que era o motorista na ocasião, não fui surpreendido, tendo em vista que diversos veículos que vinham na direção contrária já haviam me alertado da presença da polícia em local próximo, piscando os faróis. Todo veículo que passava, sem exceção, dava o “alerta”.

Não fomos parados e continuei seguindo nosso caminho. Poucos metros à frente, e impelido por aquele espírito solidário dos motoristas com os quais cruzara há pouco, passei a imitá-los, dando piscadelas de farol aos veículos que certamente passariam por aquela operação policial. Em um desses alertas percebi pelo retrovisor que uma picape de cor azul - que tinha em seu para-brisas um adesivo com a sugestiva inscrição “nóis capota mas não freia” - tão logo recebeu o aviso, dirigiu-se para o acostamento e assim que foi possível fez o retorno. Fiquei conjecturando sobre o motivo pelo qual aquele motorista havia retornado, e, para minha paz de espírito, decidi que certamente seria por causa de algum problema na documentação.

Chegamos à residência do casal de amigos e ficamos inebriados pela atmosfera de felicidade reinante em razão da aprovação do futuro Doutor Felipe. Não poderia ser diferente. Tratava-se de família simples, que com muito esforço conseguiu proporcionar educação de qualidade aos filhos, e agora começavam a colher os frutos.

Felipe não ficou na reunião, organizada em sua homenagem, por muito tempo. Como grande parte das pessoas naquela idade, queria comemorar sua conquista com os amigos e, cerca de 30 minutos após nossa chegada ele se despediu dos convidados agradecendo a presença de todos. Pegou a chave do carro com o pai e saiu, na companhia de mais dois amigos. Tudo muito compreensível.

Por volta das 22 horas, despedimo-nos do casal de amigos e pegamos estrada de volta para nossa residência. No caminho, comentávamos sobre a alegria que Paulo e Renata estavam sentindo naquele momento, por ver o primogênito trilhando o caminho de Hipócrates. De repente, cerca de 5 km da casa de nossos amigos, os motoristas que vinham em direção contrária começaram a, novamente, piscar os faróis nos avisando de algo. Como não era no mesmo local, comentei com minha esposa que os policiais provavelmente teriam mudado o lugar da operação. Como estava tudo tranquilo conosco, seguimos em frente.

De repente, fomos surpreendidos por algumas viaturas policiais e ambulâncias com as luzes de emergência ligadas. O trânsito estava bastante lento, indicando que algo grave teria acontecido. Ao passarmos, com muito custo, pelo local do acidente, reconheci o veículo de Paulo, e minhas pernas estremeceram. Parei um pouco mais à frente e retornei para me certificar. Parecia um pesadelo. Naqueles poucos metros de distância, fui pedindo a Deus que não fosse o carro de Paulo, que eu tivesse me equivocado, ou, caso o fosse de fato, que nada de grave tivesse acontecido aos ocupantes.

Minhas preces não foram ouvidas. Ao me aproximar, constatei o que tanto temia: era o carro dele, ou pior, o que havia sobrado do carro após o acidente. Um amontoado de ferro retorcido. Somente a parte traseira ficou intacta. A frente do carro ficou irreconhecível. Em seu interior, três jovens mortos, na flor da idade, com a vida toda pela frente.

Do outro lado da via, o veículo causador do acidente, conduzido por um indivíduo completamente embriagado, segundo informações dos policiais presentes. Senti uma angústia indescritível quando, chegando próximo ao automóvel, constatei se tratar de uma picape azul. Novamente roguei a Deus para que tivesse me equivocado, mas o adesivo no para-brisas sepultou minhas esperanças. Felipe, talvez por minha culpa, não seria doutor.

Trata-se de um texto ficcional, cujo objetivo é fomentar nos leitores a reflexão sobre esse péssimo hábito dos motoristas de alertar outros sobre a presença policial. Talvez ali esteja indo um motorista embriagado. Talvez seja um carro roubado. Talvez haja uma pessoa sequestrada presa no porta-malas. Talvez o carro esteja cheio de armas. Talvez o carro esteja cheio de drogas. Talvez, caso não tivesse sido avisado, a polícia poderia detê-lo. Talvez. Da próxima vez que passar por uma operação policial pense antes de avisar aos demais. Talvez você possa estar poupando o lobo e sacrificando as ovelhas. Pense nisso!

*Bacharel e Mestre em Administração de Empresas

Email: hericklimoni@yahoo.com.br