Oferta de tratamento só aumentaria a exclusão de parte da população, dizem especialistas - Edilson Dantas / Agência O Globo
 

A decisão judicial que autoriza psicólogos a oferecerem terapias de reversão sexual provocou revolta entre especialistas, militantes LGBT e entidades.
O Conselho Federal de Psicologia classificou a medida como uma violação dos direitos humanos sem qualquer embasamento científico.
Presidente do CFP, Rogério Giannini destaca que, nos últimos cinco anos, a entidade julgou 260 processos disciplinares éticos. Apenas três — ou seja, 1,15% do total — podem ter relação com a norma da resolução 01/99. Giannini considera a decisão da Justiça Federal “estranha”, já que o conselho não exerce controle sobre pesquisas acadêmicas — portanto, não pode ser acusado de proibir estudos sobre qualquer tema. O conselho vai recorrer da decisão.
— O Judiciário não pode dizer como se deve interpretar as normas de um conselho responsável por regulamentar o exercício de uma profissão — critica. — Oferecer tratamento para a homossexualidade, que não é uma doença, só aumenta a exclusão de uma parte da população e a violência sexual, e o Brasil já é campeão em crimes ligados à homofobia. Os psicólogos se recusam a ser chamados para reforçar o preconceito.
Para Giannini, os defensores da cura gay confundem discurso religioso e científico e incentivam as pessoas a recorrerem a “terapias” sem eficácia comprovada. Uma pesquisa da Associação Americana de Psicologia revelou que pacientes que se sujeitam a supostos tratamentos de mudança de orientação sexual registraram sintomas como depressão, confusão mental, ansiedade e pensamentos suicidas.
Presidente da Comissão de Direito Homoafetivo da OAB-RJ, Raquel Castro sublinha que a medida judicial contraria a resolução da OMS e que, por isso, logo será derrubada.
— A homossexualidade não é uma doença. O juiz ultrapassou todos os limites, porque está tentando se sobrepor ao que diz a medicina — avalia. — Não acredito que a população se identifique com esta medida homofóbica. Estamos vivendo um momento de tolerância e aceitação da diversidade sexual. A liminar é uma tentativa de uma minoria barulhenta de impor um retrocesso social.
A professora de Psicologia do Instituto Federal do Rio de Janeiro, Jaqueline Gomes de Jesus, concorda:
— A interferência em nossa atividade ignora que a heterossexualidade é estudada há décadas pelos cientistas, e que seu debate foi iniciado pela própria população — assinala. — A psicologia moderna se baseia em experimentos e no método científico. Não trabalhamos com estereótipos.
CRÍTICA NAS REDES SOCIAIS
A decisão judicial foi amplamente criticada nas redes sociais. A hashtag #HomofobiaÉDoença figurou ontem entre as seis mais postadas no Twitter em todo o mundo. Um usuário afirmou:
“Não é preciso ser gay, lésbica ou bi para lutar contra a homofobia. Basta ter um cérebro e uma boa dose de bom senso!!”. Segundo outra internauta, “A homossexualidade NÃO é doença. A homofobia SIM”.
Único deputado federal assumidamente homossexual, Jean Wyllys (PSOL-RJ) definiu a liminar como “aberração legal e científica” e promete apoiar o CFP na Justiça.
— Por um lado, ela (a decisão) viola a Constituição Federal e diversos tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário. Por outro lado, significa uma intromissão indevida nas decisões do CFP. É como se um juiz tentasse “derrogar” a lei da gravidade ou decidir que a Terra é plana, ou ordenar aos médicos que passem a tratar o câncer com suco de limão e não com quimioterapia ou radioterapia — compara. — Não existe nenhuma polêmica na comunidade científica internacional sobre a homossexualidade ser uma “doença”.

Marcelle Esteves, vice-presidente do Grupo Arco Íris de Cidadania LGBT, aponta uma contradição — o sofrimento dos homossexuais estaria sendo ignorado pelos defensores da cura gay, que alegam ter interesse em seu bem-estar.
— A saúde mental de uma pessoa poder ser afetada pela homofobia. É difícil encarar a opressão social e esconder sua identidade. Mas o medo de enfrentar esta violência não é uma doença.
Por ter caráter liminar, a decisão é provisória até que se julgue o mérito, mas já tem validade plena e não há data para o julgamento definitivo. O recurso será analisado por um desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que poderá referendar a liminar ou derrubá-la.