A AGONIA DA VILA MIMOSA, A HERDEIRA DO MANGUE
(Por Alexandre Coslei, jornalista)
 
Pouco há para se falar sobre a Vila Mimosa que já não tenha sido dito. Com certeza, é a zona de meretrício mais conhecida do Brasil. Depois de escapar da suposta desapropriação, prevista para dar passagem ao quimérico trem-bala, o que podemos dizer que pareça novidade? Acredite, desde o final de 2017 a Vila Mimosa agoniza.
 
A Rua Ceará, principal acesso à Vila Mimosa, era um beco interrompido por um ramal de trem, o que fazia da zona um tipo de ilha da luxúria, onde somente náufragos desembarcavam. Em 2014, com a abertura da via permitindo a circulação de carros a São Cristóvão, deixou de ser ilha, virou ponto de passagem e escape do trânsito oriundo do Centro da Cidade. Houve a expectativa de que, aberta ao fluxo de veículos, a Rua Ceará traria ainda mais lucro ao comércio dos arredores. Não levaram em conta que a Vila Mimosa se tornou indiscreta. No mesmo ano, com a proximidade da Copa do Mundo no Brasil, foi esboçado um projeto de revitalização da zona que contemplava a Cidade das Meninas e o Museu do Sexo, uma proposta da AMOCAVIM (Associação de moradores do condomínio e amigos da Vila Mimosa). A inciativa buscava aporte de 4 milhões, orçamento que faria do sonho uma realidade surpreendente. A reforma substituiria os contornos insalubres do local por traços inspirados na obra de Niemeyer. Nada aconteceu.
 
Até 2015, essa boêmia região carioca, localizada entre a Praça da Bandeira e o bairro de São Cristóvão, contava com 150 comerciantes movimentando cerca de 1 milhão por mês. O interior da zona abrigava, em média, 3.500 garotas de programa com faturamento individual de 700 reais por dia trabalhado e somava mais de 4.000 visitas diariamente. Muito além de uma área vulgar de prostituição, a Vila Mimosa se revelou um fenômeno empresarial. Alguém que caminhasse sobre os paralelepípedos da Rua Sotero Reis, onde fica a Vila, encontrava uma atmosfera de festa diuturna, uma orgia perpétua. Enraizada num ponto central do município do Rio de Janeiro, avistá-la era como vislumbrar uma nação idealizada pelo Marquês de Sade.
 
Em 2017, o cenário mudou...
 
Explicar as tantas razões do declínio dos bordeis e estabelecimentos comerciais que formam a Vila Mimosa é como desvendar a aura de mistério contida num livro de Agatha Christie. O assassino pode ser um único personagem ou vários deles, articulados numa conspiração insana. Estamos no Rio de Janeiro, um Estado falido, funcionários públicos com salários em atraso; existe a violência crescente e a Vila Mimosa está próxima à comunidade da Mangueira, um dos focos de terror na cidade; o valor atual de um programa na Vila gira na cifra de 70 reais, o que afasta a massa popular dos trabalhadores de baixa renda que a frequentavam; há um serviço de segurança extremamente truculento no interior da zona, não é raro ver clientes e meninas sendo agredidos ou ouvir algum tiro disparado a esmo. Um conjunto de fatores que indicam o óbvio: a má administração.
 
Gabriela Leite, ativista pelos direitos das prostitutas que trabalhou na Vila Mimosa, ficaria desolada ao constatar que grande parte das meninas estão migrando para se exporem à periculosidade da Av. Francisco Eugênio, em São Cristóvão. Solitárias ou reunidas nas calçadas, arriscam-se pela liberdade de se autogerenciarem e por condições que a zona não mais oferece. Gabriela faleceu em 2013 e não precisou testemunhar a penúria e o abandono do lugar que amava.
 
Passaram-se três anos da Copa de 2015, a Vila Mimosa continua insalubre: a rua em que se localiza é um esgoto a céu aberto, nenhum projeto de reurbanização foi concretizado, sujeitos que afirmam preservar a segurança do local impõem medo, houve evasão significativa das mulheres que trabalhavam ali, estima-se que o faturamento despencou em 30% e prossegue caindo, há consumo visível de drogas, estabelecimentos fecharam e outros tentam sobreviver sem elaborar qualquer estratégia de recuperação.
 
Movimentos sociais que se intitulam como defensores das profissionais do sexo criticam aqueles que denunciam as condições precárias de trabalho, alegam que essas denúncias podem levar à intervenção do Estado. A zona nos faz lembrar uma mina de ouro que foi explorada à exaustão do solo, ninguém se preocupou em fazê-la sustentável. Quando houve preocupação, não agiram. Vão restando fantasmas. Nelson Rodrigues e Manuel Bandeira, antigos frequentadores dos tempos do Mangue, ficariam indignados. A morte da zona é um pouco a morte da poesia.
 
Enquanto a Vila Mimosa segue moribunda, o vizinho frigorífico prospera e vai abocanhando tudo ao redor. A zona, que tem caráter socialista, ainda resiste cambaleante ao avanço do capital privado. Difícil será resistir a todos os sanguessugas que querem desossá-la antes do último suspiro, tal qual o Congresso de uma República das Bananas.

 
Alexandre Coslei
Enviado por Alexandre Coslei em 19/01/2018
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