LEGITIMIDADE

A lei, instrumento básico no âmbito social, dispõe de elementos que garantem integralmente o seu cumprimento. Mesmo assim, ela pode não realizar a chamada legitimidade, sobremodo quando se destina a regular casuísmos.

Nas hipóteses em que a lei se afasta de sua finalidade, que é a realização do direito em face das necessidades sociais, costumamos dizer que se lhe falta o requisito essencial da justiça.

A legalidade é confinada ao rito e a forma, mas a legitimidade se refere a essência, ou seja, traduz uma questão filosófica de maior dimensão e profundidade. Óbvio que a lei exige cumprimento, mas a longevidade e a sua pacificação não estão no elemento cogente, e sim na legitimidade.

O jurista Pimenta Bueno referiu que "poucas vezes é permitido levar-se as disposições humanas ao absoluto sem cometer injustiças". Buscar a legitimidade é consagrar a verdade e a justiça como valores acima de qualquer dúvida. E se é vero que o mundo da perfeição reside apenas no universo ideal, ele não deixa de ser uma referência indispensável para a evolução humana.

Como se vê, a lei deve ser apreciada consoante a legitimidade, fator indispensável ao convencimento da norma.

Em alguns casos, o debate acerca da legalidade e da legitimidade se vai por um curso infindável. Mas, na maioria das vezes, paradigmas clássicos subsidiam o tema de forma exitosa. Senão vejamos: É possível convir que determinada lei, com sua força de império, institua a tirania e a servidão, porém, não será legítima como àquela que estabeleça o direito livre e igual entre os cidadãos.

Muito embora a excentricidade dos ciclos e o advento de elementos revisionistas, é interessante observar a ocorrência de valores que se mantém intactos no meio social e que servem para corrigir os percalços da tarefa legiferante. Apesar da intrepidez dos tempos e da fluidez dos costumes, a ideia de justiça é imorredoura, malgrado não seja realizável em sua plenitude.

Veja-se ainda, que o texto normativo, quando se destina a privilegiar casos à revelia do bem comum, culmina se impondo pela obrigatoriedade, mas não pela essência da justa razão. Nessa hipótese, a lei tenderá a cair em desuso ou a ser revogada, pois só é real a compreensão do direito, quando for elemento de equilíbrio e coesão social.

Conclui-se, portanto, que é salutar o questionamento em torno dos valores normativos. Esse debate contribuirá para a evolução conceitual da tarefa legiferante e governamental, evitando que a edição de leis e provimentos administrativos seja uma obra ficcional, uma função de uns poucos para outros poucos interesses.

É curioso atentar-se que, por razões alinhadas aos interesses pessoais, nem sempre as maiorias formadas no parlamento são capazes de atender as necessidades da população. Em razão disso, os projetos de lei necessitam ser levados à sociedade. Dispensados o debate e a translucidez, embora sob o império da lei, estaremos impossibilitados de vislumbrar a essencial legitimidade.