VÁRIAS MULHERES, UM MESMO GRITO CONTRA DESIGUALDADE.

Hoje é o Dia Internacional da Mulher, mas acho que você ainda não entendeu; hoje é o dia da mulher não como data comemorativa de consumo capitalista, dia de um produto chamado "Mulher" onde os homens as encherão de presentes, cafés na cama e demais futilidades, esvaziando assim essa data de seu valor, incorporando assim significados outros, distantes da potência que de fato é a mulher.

Hoje é o Dia Internacional da Mulher como marco da luta emancipatória revolucionária, a data que relembra que no dia 8 de março de 1917, houve uma deflagração de greve comandada por mulheres tecelãs de São Petersburgo que assim, acabou por impulsionar a Revolução Russa. Esta data só foi reconhecida 50 anos depois pela ONU e UNESCO, dando origem assim ao Dia Internacional da Mulher. E não sabemos por que há mecanismos que impedem a divulgação desse conteúdo emancipatório.

Hoje leio textos que falam da fragilidade da mulher, textos que as comparam com flores, denunciando uma beleza estética e fugaz, flores essas que são diariamente pisadas pela estupidez humana que insiste em colocar a mulher nesse lugar objetal de alguém que precisa de um herói, de um salvador, para salvá-las de si mesmas, reiterando assim dia a dia os papéis tradicionais que visam o aquilombamento da mulher.

O que comemorar hoje? A queda da única presidenta eleita na história do Brasil? E o surgimento de uma política que exclui a mulher de sua importância social? O surgimento assustador de fascistas, misóginos, homofóbicos, conservadores e fundamentalistas que tentam silenciar a resistência da voz feminina? Quinhentas e três mulheres foram agredidas por hora no Brasil em 2016, o que totaliza 4,4 milhões de vítimas de chutes, empurrões ou batidas, considerando apenas as maiores de 16 anos, esses números estão em pesquisa encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública ao Datafolha.

Além disso, 10% das mulheres sofreram ameaça de violência física, 8% sofreram ofensa sexual, 4% receberam ameaça com faca ou arma de fogo. E ainda: 3% ou 1,4 milhões de mulheres sofreram espancamento ou tentativa de estrangulamento e 1% levou pelo menos um tiro.

Hoje é o Dia Internacional da Mulher, mas que mulheres podem de fato comemorar esse dia? As que morreram em uma mesa suja em um canto fétido qualquer por não aceitarem que outros imponham ao seu corpo a escolha que pertence somente a elas de quererem ser mães? As que sofreram a espetacularização de um estupro coletivo? As que tiveram imagens de seus corpos espalhadas em redes sociais que comprometiam sua dignidade e moral?

Quem comemora? As 2,2 milhões de mulheres negras entre 16 e 24 anos, que foram agarradas ou beijadas sem consentimento e que por serem negras e pobres são esquecidas como vítimas? Quem comemora? A idosa esquecida e violada em seus direitos, a mãe maltratada e ultrajada, a jovem violentada ou a negra inexistente? Não, hoje não comemoro esse dia, hoje reflito e me envergonho de ainda ler nas páginas de jornal que mais uma mulher foi vitima da violência de um homem e que a violência contra a mulher no extrapolou os limites da agressão interpessoal, sendo também ameaçadas com facas e armas de fogo, e quase como regra o autor do crime é aquele que jurou ama-la – o marido ou o companheiro.

Hoje não quero pintar o céu de rosa, fingir que nada disso é real, e esquecer que ao menos uma mulher foi agredida a cada 3 minutos e 20 segundos na capital fluminense durante o carnaval. Não quero ser conivente com o ódio que cresce a cada ano assustadoramente contra mulheres que não aceitam mais se calar diante desta monstruosidade. Não quero ser mais um que enxerga o corpo da mulher como objeto público, por isso agredido, espancado e violentado.

Recuso-me a fazer parte desta engrenagem social, religiosa e política que insiste em ver o corpo feminino como parte de uma lógica da divisão de tarefas e de mercado, exorcizando as Liliths, coisificando assim a mulher em Evas, depósito para lixo de alguns homens. Hoje é o Dia Internacional da Mulher, eu escolho compartilhar dessa dor de não ser dono de seu próprio corpo, de seu próprio prazer e de seu desejo, dessa dor de ser mãe de um filho que foi retirado pela violência, a dor de ser mulher de um homem que só enxerga seu sexo e nunca seus olhos.

Canto com Elza Soares, personificação de diversas minorias – nasceu mulher, negra e pobre: “Cadê meu celular, eu vou ligar pro 180. Vou entregar seu nome e explicar seu endereço. Aqui você não entra mais, eu digo que não te conheço. E jogo água fervendo se você se aventurar. Eu solto o cachorro e apontando pra você, eu grito pega (cs cs cs). Eu quero ver, você pular, você correr na frente dos vizinhos. Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim.”

Quero compartilhar com você a lágrima por ouvir o primeiro chorinho do bebê, comemorar a primeira calcinha manchada de sangue se descobrindo assim mulher, o primeiro beijo que marcou o coração e o primeiro toque que lhe mostrou os desejos sublimes de seu corpo.

Hoje é Dia Internacional da mulher, e só por hoje, faço minha também essa luta, hoje também serei mulher.

Jairo Carioca, escritor, teólogo, psicanalista, é autor do livro “Crônicas de um divã feminino” pela editora Autografia.

Jairo Carioca
Enviado por Jairo Carioca em 08/03/2018
Código do texto: T6274015
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