‘O QUINTO DOS INFERNOS’: UMA HERANÇA MALDITA

Heráclito Ney Suiter*

Tudo começou na época do Brasil Colônia, no século 18, ocasião em que a Terra Brasilis era espoliada pela Coroa Portuguesa para encher as burras de ouro daquela Corte, além é obvio, do ‘dízimo’ para Igreja de Roma, devido ao alto grau de submissão para com a mesma.

O chamado ‘quinto’ (que representa 20%) era cobrado das casas de fundição que se concentravam em Minas Gerais (chamados Certificados de Recolhimento) e foi o estopim para Inconfidência Mineira (1789), lembrando que o tributo já existia desde o período das capitanias hereditárias, na regência de D. João III em 1534, por meio das chamadas “Ordenações do Reino”, que eram estabelecidas como ‘direitos reais’ (daí a origem do termo do instituto dos Direitos Reais em nosso Código Civil).

O tributo se tornou ainda mais odiado com a chamada ‘Derrama’, um dispositivo fiscal aplicado nas Terras das Gerais, que assegurava o teto de 100 arrobas (150 kg) anuais na arrecadação do quinto sobre as casas de fundição, sendo sobretaxado todo tipo de exploração de metais na época, além do precioso ouro (prata e qualquer outro tipo de metal).

Com isso surgiu o termo ‘quinto dos infernos’, pois ao serem cobrados, os contribuintes diziam ‘vá cobrar o quinto nos infernos’.

Pois bem, o termo usado no título deste artigo, além de reforçar a tese de que a cultura da sonegação de nosso país advém da forma como fomos colonizados (nem todos os tributaristas aceitam essa hipótese), reforça-se pelo fato de que o degredo de sonegadores da Coroa, sempre culminava no envio dos mesmos para suas colônias distantes (crime gravíssimo em uma época que o regime Monárquico estava em bancarrota, que teve seu auge em 1789 com a Revolução Francesa somada a iminente Revolução Industrial).

Questão histórico tributária a parte, o quinto acabou por ser adotado em nosso sistema jurídico, é o chamado quinto constitucional, com previsão no art. 94 da Constituição de 1988.

O dispositivo jurídico determina que 1/5 das vagas de alguns tribunais de nosso país sejam preenchidos por profissionais que não precisam ser necessariamente juízes de carreira, desde que tenham reputação ilibada e notório saber jurídico. No caso de integrantes do Ministério Público e Advogados, os mesmos - MPs e OAB -, têm por lei o direito de indicá-los, na condição de terem no mínimo 10 anos de atuação.

O problema é que a avaliação de notório saber e reputação ilibada, são termos bastante subjetivos, mesmo no caso das indicações advindas da advocacia, independente de ser pública (MPs) ou privada (Advogados inscritos na OAB), por vez que o interesse político e outros escusos, acabam por prevalecer na hora da indicação.

Outro problema que se detecta, é que a cátedra e as instituições responsáveis pelo treinamento de juízes (o caso das chamadas Escolas de Magistratura) de nosso país vêm tendo grandes dificuldades para se equalizarem diante dos recorrentes casos complexos, advindos de uma sociedade que deu um grande salto em tecnologias e informações, ou seja, nosso sistema de ensino jurídico ‘cochilou com o cachimbo na boca’.

Neste ponto, em meu entender, está o nó górdio na atuação de nossos representantes do judiciário, que somados ao ‘câncer da corrupção’ que assola o Brasil, vem agravando a situação, dando aos jurisdicionados a sensação de injustiça. Passamos a um exemplo, do enfrentado na prática da advocacia.

O ‘novo’ Código de Processo Civil (2015) trouxe em seu bojo um reforço no estabelecimento de critérios precisos e determinados para a construção de uma fundamentação jurídico-decisósia (sentenças dos juízes), assentada horizontalmente na dignidade constitucional.

Entretanto, a insuficiência das fundamentações das decisões, pelo clássico rito lógico dedutivo, aliado a resistência em modificações profundas, permanecendo na adoção do já ultrapassado pensamento linear cartesiano, torna mais grave quando somada a grande inversão de valores (o ter em detrimento do ser) imposta por um pseudocapitalismo, que denomino ‘capitalismo tupiniquim’, findando em decisões do judiciário eivadas de parâmetros consequencialistas e, apartando a correta aplicação do Direito enquanto ciência.

Na contramão do que se exige nessa nova fase societal, em se tratando das sentenças dos magistrados, deveriam ser reticulares, alineares, dedutivas e indutivas. Pois a soma da insuficiência da racionalidade puramente teórico dedutiva e a mera aplicação silogística do direito, vem tornando enfadonho a atuação de todos os operadores do direito, sem distinção da posição em que ocupam na prática desta ciência.

A atual crise de legitimação que atravessamos, não está cimentada apenas nestes aspectos da dogmática jurídica, mas também na incapacidade do nosso sistema ser reflexivo frente a resolução das demandas sociais emergentes, e diante disto, necessário se faz repensar o sistema educacional do Direito em nosso país, que nos tempos passados, incontestavelmente contou com nomes respeitadíssimos em escala mundial (só para citar alguns expoentes: Rui Barbosa, Teixeira de Freitas, Pontes de Miranda e mais recentemente Miguel Realle, dentre outros cujas suas teses têm até hoje uma forte influência nos países que adotam o denominado Civil Law [sistema romano-germânico]).

O inferno está aí, permeando nosso país como uma herança maldita dos lusitanos, entretanto, todos aqueles que atuam no meio jurídico tem a obrigação e a responsabilidade de quebrar paradigmas ultrapassados e oxigenar nosso sistema jurídico, procurando mais coerência frente aos atuais anseios da sociedade moderna, afinal de contas, o Direito, enquanto Ciência Social Aplicada, surgiu para atender as demandas sociais e não para servir o beneplácito de alguns, ou interesses escusos, já o ‘quinto’, é só um detalhe, uma pequena ponta do iceberg...

*Jornalista e Advogado atuante no TO e SC, com expertise em Direito Tributário, Direito Ambiental e Crise de Imagem de Instituições Públicas e Privadas. OAB/TO 7523; OAB/SC 75051; ABI 0151.

** Texto corrigido em 02.08.2018.