Uma tragédia brasileira

Nacib Hetti

O brasileiro só se comove quando a tragédia é no atacado. A morte por assassinato no varejo não comove ninguém, a não ser os parentes próximos e amigos das vítimas. A tragédia precisa ter visibilidade e grandes proporções, como a queda de um avião cheio de passageiros ou um incêndio em uma boate, como no caso de Santa Maria. Para terem repercussão, os 175 assassinatos diários e outros tantos em acidentes de trânsito precisam ser, necessariamente, no mesmo local e ao mesmo tempo. A propósito: se a tragédia da boate Kiss fosse um baile funk, com negros e pobres, já teria sido esquecida.

No Brasil são mortos, diariamente, 130 pessoas em acidentes de trânsito. São transeuntes atropelados, motoqueiros se arrebentando, motoristas se matando na pressa para chegar, caminhoneiros morrendo em estradas assassinas e os impotentes passageiros morrendo pela imperícia dos outros. É como se caísse um Boeing todos os dias, com 130 pessoas a bordo.

As estatísticas indicam um prejuízo de R$25 bilhões por ano, provocado apenas pelos acidentes de trânsito, valor suficiente para cobrir, cinco vezes, a necessidade para recuperação das estradas brasileiras. E nossos governantes, que só andam de avião ou em estradas de primeira categoria, não se tocam.

O pedestre que não sabe atravessar uma rua; o motorista que não obedece as faixas e os sinais; os jovens que se matam para demonstrar uma perícia que não têm; o caminhoneiro que é obrigado a utilizar a estrada malconservada; todos são vítimas da incúria administrativa e da falta de um projeto de educação envolvendo toda a sociedade.

Um comentarista falou, certa vez, da dificuldade em se administrar o trânsito em um país onde o sinal vermelho é considerado uma ofensa pessoal. Naturalmente existe certo exagero, mas existe, também a necessidade de se mudar a mentalidade da população, com exemplos disponíveis em diversos países.

No entanto, a grande tragédia brasileira são os assassinatos diários, com cerca de 175 jovens sendo mortos nas periferias das grandes cidades. Enquanto são delinquentes, ou negros, ou pobres, ninguém se toca. No dia em que começarem a matar louros de olhos claros, a sociedade vai se mexer. O crime organizado mata para mostrar seu poder e desafiar a incompetência de nossos governantes. Somos vítimas dos traficantes, das milícias, dos maus policiais e de um governo caolho, que finge não saber a origem de nossas mazelas. Chega a ser um deboche querer desarmar o cidadão comum, quando todos sabem que o criminoso nunca abrirá mão de seu “instrumento de trabalho”.

Daqui a pouco chegam as eleições, depois vêm as festas de fim de ano, o Carnaval, o Rock in Rio e o esquecimento, que é da natureza daqueles que nos governam. Restarão a tristeza e o lamento silencioso daqueles que perderam seus jovens.