A persuasão sincrônica

A lavadeira, por algum motivo, não tinha trazido a roupa. Morava no Barro Vermelho, um morro próximo ao da Cachoeirinha – nem sei se os dois ainda existem ou mantém a mesma denominação –, no Lins, ou no que é conhecido hoje por Complexo do Lins.

Minha mãe decidiu saber o que tinha acontecido e me chamou para acompanha-la. Subimos os dois e voltamos depois sem problema algum. Na época não havia necessidade de salvo-conduto ou autorização dos donos do morro para subirmos.

Em “Estranha Fascinação”, filme de 1948, Burt Lancaster e Kirk Douglas, hoje mais do que jurássicos, disputam o lucro em negócios escusos e a mesma mulher. As cenas de violência são infantis comparadas com as atuais. Quase não há tiros. Fuzis, só na guerra. Não em brigas entre bandidos.

Entre o fim da década de 40 e o início da de 60, como no caso da Cachoeirinha ou Barro Vermelho, as diferenças não eram tão alarmantes como em nossos dias, quando as mudanças são vertiginosas de um ano pro outro. Mas, como é óbvio, tudo muda. Rápida ou vagarosamente.

Naquela época, precisava-se ir até à droga. Hoje escuto da minha dermatologista que a droga vem até você. Uma frase lapidar que talvez devesse ser submetida à apreciação de filhos e adolescentes. E estar consolidada na cabeça de seus pais e/ou responsáveis. Porque a disseminação de anfetaminas, estupefacientes, barbitúricos, ácidos lisérgicos, crack ou seja lá o que for é praticamente total. Ninguém precisa procurar. Basta desejar.

Sabemos de tudo isso, mas a discussão do que sabemos nem sempre se realiza de uma forma proveitosa, capaz de nos prender de fato ao assunto. Talvez não tenhamos tempo. E por isso estejamos mais propensos a deixar o tempo passar e absorver as mudanças que inevitavelmente acontecerão. No limite, poderíamos admitir que “quem morre é o outro, eu não”. Como tudo é corrido, sobretudo hoje, não temos tempo para detectar com maior cuidado as alterações que se verificam ao longo de nossa existência. É como se o tempo pra nós não passasse.

A sincronia parece-nos fascinar. Nesse sentido, somos apenas sincrônicos. E cada vez mais eletrônicos. Neurônicos, não?

Rio, 09/08/2018

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 29/08/2018
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