Representatividade versus Oportunismo: Uma análise sobre Pink Money na Publicidade

Resumo

O foco deste artigo é estudar como a popularização de movimentos sociais atrai companhias interessadas em se associar, a fim de aproveitar o diálogo sobre problemas sociais para impulsionar suas marcas.

Sobre propaganda aparentemente social, é demonstrado que o desequilíbrio na proporção do benefício dessas ações beneficia a marca de maneira tangível, através de dinheiro, mas só beneficia os movimentos de maneira subjetiva, através de exposição. Para transcender a representatividade verdadeira, é preciso que uma campanha seja verdadeiramente inclusiva, partilhe igualmente os resultados positivos e não se limite a repetir estereótipos.

A comunidade LGBT em específico foi abraçada como público considerável nos últimos anos e por causa disso houve uma mudança como eram retratados nas mídias, deixando de ser exclusivamente vistos através de caricaturas estereotipadas para ter representação real, embora ainda existam muitos casos de Pink Money, que são alinhamentos estratégicos de marcas que não se importam verdadeiramente ou contribuem positivamente para a manutenção da comunidade em geral.

Sob essa lente, examinamos um caso de publicidade aparentemente social da marca Riachuelo, que apesar de não se apoiar em estereótipos se demonstra incondizente com as políticas da empresa, e a evolução da marca Doritos, desde as primeiras e polêmicas interações entre a marca e o movimento até a realização da campanha Doritos Rainbow, que foi verdadeiramente inclusiva e teve um impacto positivo.

Palavras-Chave: Pink Money, Representatividade, Publicidade, Estereótipo

Introdução

Michele Escoura, em sua dissertação “Girando entre Princesas: performances e contornos de gênero em uma etnografia com crianças” faz um paralelo entre as Princesas Disney Clássicas e as Rebeldes. Michele afirma que essa mudança na construção das personagens é natural dado o contexto em que se criam: quando as Princesas Rebeldes surgiram, por volta dos anos 90, os ideais feministas já vinham sendo debatidos há pelo menos três décadas. Para justificar essa transformação, a autora usa o que Christine Gledhill (1988) chamou de “negociações de significados”.

Para um produto midiático manter sua dimensão prazerosa ao público que o consome, um nível mínimo de contemporaneidade deve estar presente nas narrativas para que, com uma dose de realismo ao melodrama, a trama se torne ainda mais sedutora e agradável à audiência. (ESCOURA, Michele. 2012, p 45)

Essa passagem é importante para nossa análise pois nos conduz à conclusão de que o que levou a Disney a começar a construir personagens femininas fortes, não se deve ao raciocínio simplista de que a companhia cinematográfica apoia o movimento feminista. A empresa pode sim estar de fato envolvida com a causa feminista, mas excluir a lógica capitalista que acompanha a justificativa é ingenuidade, para não dizer utopia.

Conforme minorias políticas se articulam e conquistam mais espaço, mais suas respectivas figuras ficam em evidência, tornando-se parte do que é dito popular (e por popular nos referimos a alcance, e não necessariamente a aprovação). A certo nível, o assunto se estende de tal forma que inclusive camadas mais afastadas do discurso já tiveram contato com o tema, ainda que o debate não seja pelo ângulo de visão daquele originalmente proposto pela minoria.

Essa visibilidade na mídia as coloca como ponto de interesse para companhias não só pela “negociação de significados” que passam a acontecer em diversos formatos e campos, mas também como forma de manter uma relação de identificação com o público.

Essa identificação não é obrigatoriamente uma construção literal. Não significa que todo o público se verá retratado na campanha, mas sim que, ainda que ele não se veja como o personagem principal da peça, ele entenda do que se trata. Assim sendo, a comunicação está estabelecida.

Mesmo nos casos em que o público entende a peça, mas é avesso ao que é retratado, o fato de entender o que se passa dá liberdade de debater e, portanto, gera awareness. Esse resultado por si só pode ser considerado satisfatório a depender do que se pretende a campanha.

Tendo isso em vista, muitas marcas se reposicionaram no mercado de maneira a atrelar o próprio nome a causas sociais. A prática se tornou tão comum que aderiram até marcas com histórico contraditório ao perfil da causa escolhida.

Por isso, passou a fazer parte do debate até que ponto as marcas apoiam movimentos de minorias, o que é uma publicidade social de fato, o que é uma “publicidade aparentemente social”, efeitos desta publicidade social falsa, entre outras questões. Nessa dissertação, escolhemos abordar a temática Pink Money como norte para a discussão e análise dessas problemáticas.

Representatividade X Publicidade aparentemente social

Desde que se popularizou a prática de atrelar marcas a causas sociais, o questionamento acerca da veracidade nesse relacionamento passou a ser questionada. Os consumidores passaram a fazer análises mais críticas quando se tratava de publicidade aparentemente social, conceituado por Ana Bragáglia e Ana Bezerra (2018) como a publicidade comercial com apelo emocional ligado a uma causa social.

Dessa forma, não se trata de campanhas de causas sociais assinadas por movimentos sociais, pelo Estado ou outros atores sociais diferentes do mercado, mas sim por marcas comerciais de bens de consumo cotidianos. (BRAGÁGLIA, Ana. BEZERRA, Ana. 2018, p 2)

A problemática em torno das marcas se apropriarem de causas sociais se dá não só pelo lucro envolvido, mas também pela relação arbitrária que se cria. Enquanto a marca obtém ganhos por vezes milionários, o movimento social tem um ganho que paira sobre o campo subjetivo, visibilidade.

Ainda que visibilidade seja um fator muito importante, para equilibrar de fato as vantagens dessa parceria, a marca deveria entregar mais. Até porque a própria visibilidade dada também é vantagem para a marca. Visto que acontece uma transferência e associação de valores da causa para marca, além de anexar o público da causa ao público da marca.

Assim, para provar um apoio legítimo, o outro lado do relacionamento deveria investir mais. Essa entrega poderia ser feita através do financiamento de ações de conscientização, materiais de apoio, promoção de eventos para debate, apoio financeiro a ONGs, entre outros.

O valor da visibilidade é quase capcioso. Na era da informação, a imagem tem grande poder. É capaz de destruir ou construir. É valiosa, como podemos ver através das novas profissões do futuro, a exemplo dos digital influencers. Visibilidade pode ser perigosa, mas certamente tem uma poderosa capacidade de revolução. Além de ser o primeiro passo em direção à conscientização, gera um sentimento muito importante entre minorias políticas, representatividade.

Representatividade é o papel social exercido por um ator que serve de exemplo para os seus semelhantes. Quando o grupo observa o comportamento de um dos seus, se vê contemplado e pelo sentimento de empatia, entende que poderia ser qualquer um de seus membros exercendo aquele mesmo papel. No inverso, quando nenhum de seus semelhantes consegue exercer determinados papéis, o grupo deixa de se sentir capaz de exercê-los.

A representatividade que é verdadeira, em contraponto à publicidade aparentemente social, é essencial para a história de um grupo. Somente a representatividade que é feita pelo grupo, para o grupo, apoiada pelo ecossistema do grupo -e por ecossistemas podemos incluir marcas que de fato conversem com a causa- é efetiva e capaz de revolucionar a história de um povo.

Enquanto a real representatividade, sem apoio, fica em segundo plano, mais uma arbitrariedade se constrói: Os humanos são seres sociais e a necessidade de pertencimento a um grupo permeia sua existência. Na tentativa de se conectar a um grupo, as pessoas podem se apegar ao que acreditam ser representatividade, e por isso ficam mais suscetíveis a publicidades aparentemente sociais. Aqui cabe justamente a reflexão de Burrowes (2004) de que “ao comover, a peça publicitária ativa um movimento e desativa momentaneamente o senso crítico.”

Essa passagem conversa com o que Oliviero Toscani chamou de “crime de inutilidade social” da publicidade. Isto é, apesar de contar com orçamentos milionários, a publicidade dispende esforços em peças vazias e deixa de contribuir com a melhora dos problemas da sociedade. Somando à reflexão de Burrowes, podemos notar que a publicidade não só deixa de contribuir, como, com a publicidade aparentemente social, pode funcionar ativamente como um desserviço à sociedade.

Porém, diferente da forte depreciação apontada por Toscani, a Publicidade não é má. Assim como a visibilidade, a publicidade pode ser uma ferramenta construtiva ou destrutiva, pois tem uma poderosa capacidade de fortalecer ou boas ou más práticas.

A exemplo temos o uso de estereótipos na propaganda.

Os estereótipos na propaganda funcionam como recurso cognitivo facilitador para a compreensão dos seus discursos mercadológicos, tendo em vista o curto tempo para a realização de sua enunciação, configurando-se numa ferramenta estratégica de persuasão muito utilizada para facilitar a (de)codificação, o armazenamento, a consolidação e a recuperação de mensagem na estrutura cognitiva do indivíduo. (LEITE, Francisco. 2008)

Nesse caminho, a publicidade pode exercer o papel de formação e manutenção de estereótipos negativos. Enquanto que a publicidade contra intuitiva, aquela que vai ao exato oposto do senso comum e quebra a expectativa do espectador, é uma excelente estratégia para quebra de estereótipos e exerce o papel de diluição. Sendo assim, um bom uso de prática com a publicidade.

Por isso, é importante ter em vista que o bom ou mau uso da publicidade é responsabilidade de quem faz esse direcionamento. Enquanto que usar estereótipos negativos é prático e fácil, desenhar uma propaganda contra intuitiva exige uma reflexão e pesquisa mais elaboradoras. Não podemos, no entanto, definir a responsabilidade social da Publicidade baseado no que é mais fácil.

Enquanto essa responsabilidade não se tornar parte essencial do discurso, a questão representatividade versus publicidade aparentemente social continuará sendo uma problemática que não sai do viés teórico.

Tendo como concluída a primeira etapa dessa reflexão acerca do potencial da publicidade em fazer uso de estereótipos, passemos a um exemplo prático.

Estereótipos de sexualidade e Panorama geral do Pink Money

A comunidade LGBT, na última década, veio a conquistar espaço considerável na sociedade, com a garantia de direitos e um grande avanço na forma como se faz presente no corpo social. Com isso, mudou-se também a forma como a mídia e a publicidade a enxerga; vendo-a, agora, como um público a ser considerado e valorizado.

O mercado tem motivos concretos para não desprezar esse consumidor. Levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa e Cultura GLS mostra que 10% dos brasileiros são homossexuais. Eles gastam 30% a mais que os heterossexuais, 97% têm nível médio ou superior e 83% são das classes A e B (CUNHA, 2006). Ou seja, representam o que o mercado publicitário costuma considerar como um público qualificado e com grande potencial de consumo. (BAGGIO, 2009)

Embora a comunidade LGBT esteja, portanto, presente na mídia e sua representação tenha evoluído consideravelmente, ainda existem abordagens altamente problemáticas e estigmatizadas que continuam sendo combatidas. Segundo Bernardo Jablonski, no sexto capítulo de "Psicologia Social", "Preconceito, estereótipos e discriminação", “O estereótipo é a base cognitiva do preconceito”; ao trazer um personagem pré-concebido pelo público do que é a pessoa homossexual, bissexual ou transexual (entre os outros constituintes da comunidade LGBT), as peças midiáticas acabam por, muitas vezes, reforçar pensamentos discriminatórios e preconceitos da audiência, e é por isso que a maneira como a mídia e a publicidade representam as minorias sociais é tão importante e merece atenção.

Há uma década, a comunidade LGBT, sobretudo os homens homossexuais, eram utilizados no meio do entretenimento de forma carregada de estigmas e, na maioria das vezes, como forma de piada, ao passo em que bissexuais e pessoas transexuais raramente tinham espaço. Tal visão pejorativa da comunidade vem mudando, mas são recorrentes os deslizes realizados em torno de abordagens que tenta inovar, mas acabam caindo sempre nos mesmos estereótipos.

A forte permanência de alguns desses estereótipos têm sua explicação na forma como se desenvolveu o modo de vida homossexual. Os guetos produziram uma cultura homossexual marcada pelas especificidades da linguagem e pelo humor. A imagem da "bicha-louca" foi a que se perpetuou como estereótipo do homossexual. Difundida através das manifestações mais diversas da Indústria Cultural, ao mesmo tempo em que esta imagem representa o preconceito, a caricatura e o estigma, também serve como elemento de identificação comum. (BAGGIO, 2009)

É válido ressaltar, ainda, como foi apontado por Adriana Baggio em "A temática homossexual na publicidade: representação e estereótipos", que a representação positiva e naturalizada dos membros da comunidade LGBT muitas vezes acontece apenas em canais destinados apenas a este público, mas não ao público geral. Sendo assim, são representados de forma natural a eles mesmos, ao passo que, para o resto da sociedade, muitas vezes ainda são representados da forma estigmatizada do passado.

Essa nova abordagem da comunidade pelos meios midiáticos também se encontra na publicidade, e é principalmente nela que ocorre o então chamado Pink Money - o uso da comunidade LGBT para gerar notoriedade e, sobretudo, lucro, mesmo quando não exista realmente uma preocupação da marca (ou pessoa) para com os LGBTs. O Pink Money acontece tanto por parte de marcas - através de peças publicitárias ou ações de marketing destinadas ao público LGBT e que se utiliza de seus signos e símbolos - quanto por pessoas, principalmente os artistas do meio musical. No ano de 2018, em meio às eleições, foram recorrentes as denúncias realizadas a artistas que, quando os convém, utilizam da comunidade LGBT para benefício próprio, mas que não se posicionaram quando os direitos do grupo foram ameaçados por determinadas candidaturas. Sendo assim, o Pink Money é uma modalidade de publicidade aparentemente social que será, agora, exemplificado através dos estudos de caso.

Estudos de caso: Publicidade aparentemente social da marca Riachuelo versus publicidade com representatividade da marca Doritos

De acordo com os temas abordados até aqui, é possível examinar como caso de publicidade aparentemente social a campanha de Dia dos Pais de 2018 da Riachuelo. O comercial em questão, uma montagem de imagens de pais fazendo diversas atividades com seus filhos, inclui uma família composta de um casal homossexual e seu filho, representados interagindo afetivamente. Apesar da representação por si só evitar os estereótipos tipicamente associados à comunidade homossexual, ela se mostra problemática por servir como caso flagrante de Pink Money pelo contexto no qual a própria empresa estava inserida.

Em fevereiro de 2018 o presidente da Riachuelo Flávio Rocha foi protagonista de uma polêmica ao declarar uma apoio à igreja evangélica Sara Nossa Terra, que apoiava uma aliança entre as bancadas evangélica e católica do congresso nacional a fim de combater as pautas progressistas, como a legalização do aborto, a legalização do casamento gay e o ensino do que os conservadores chamam de “ideologia de gênero” nas escolas. Suas palavras de apoio a uma organização notoriamente homofóbica provocaram um boicote por parte da comunidade LGBT, mas após ser questionado pela Aliança Nacional LGBTI e pelo Grupo Dignidade, ambos grupos de defesa dos direitos dos homossexuais, o empresário afirmou categoricamente que “não apoia qualquer tipo de preconceito” e que “é a favor de toda e qualquer configuração de família e acredita na felicidade das pessoas independente da sua orientação sexual”, além de publicar em suas redes sociais um vídeo com depoimentos de funcionários gays da Riachuelo, que demonstraram apoio ao seu chefe e disseram nunca ter sofrido discriminação por parte de seus superiores.

O empresário também recebeu apoio do grupo Movimento Brasil Livre (MBL) em sua breve pré-candidatura a presidente da república pelo PRB, e após desistir da corrida foi inicialmente crítico ao eventual vencedor da eleição, Jair Bolsonaro, mas eventualmente declarou seu apoio ao mesmo e já foi até cotado para assumir ministérios no eventual governo Bolsonaro.

Sob esse contexto, é possível enxergar a campanha de dia dos pais como um exemplo de Pink Money, com uma abordagem que aparenta ter consciência social, mas que na verdade se utiliza dessa roupagem para dar à empresa uma aparência de modernidade e inclusão que não necessariamente condiz com a realidade. Baggio descreve esse tipo de uso da cultura LGBT na publicidade da seguinte maneira:

Os símbolos desse grupo estão sendo apropriados pela publicidade e por outros produtos da Indústria Cultural, não apenas em mensagens direcionadas a esse público, mas também para outros segmentos, para os quais os elementos do universo homossexual simbolizam a modernidade, a vanguarda, o liberalismo, a diversidade. (BAGGIO, Adriana Tulio, 2009, p 4)

Levando isso em conta, a Riachuelo poderia ter sido mais autêntica em sua mensagem de diversidade se ao invés de um único casal homossexual (que por sinal também é composto dos dois únicos pais negros da peça) houvesse realmente maior diversidade no comercial, tal qual a peça “Caring Makes My Dad My Hero” (“De Importar Torna Meu Pai o Meu Herói”), da Dove para sua linha masculina de produtos no dia dos pais em 2018.

Existem, porém casos de marcas que conseguiram mudar significativamente sua imagem após controvérsias com o público queer, como foi o caso do biscoito Doritos, da PepsiCo. No passado a marca utilizou anúncios que faziam chacota com estereótipos de homossexuais masculinos, fazendo alusões à sua suposta promiscuidade e tirando sarro do típico papel sexual de membros dessa comunidade retratados nas mídias.

Em 2002 o comercial “gay tease” (provocação gay), protagonizado pelo artista Enrique Iglesias e veiculado nos Estados Unidos, mostrava o cantor aparentemente se apaixonando por um membro masculino da plateia em seu show, pra depois mostrar que ele estava interessado em um pacote de Doritos. Apesar de flertar com a ideia de homossexualidade, o comercial se mostra neutro e evita a discussão, trazendo humor a partir da subversão da imagem masculina suavizada de Iglesias.

Em 2009, no Brasil, a marca teve outro comercial como centro de uma polêmica, onde quatro amigos viajam de carro enquanto a música “YMCA”, do Village People, toca na rádio. Durante o refrão, um dos passageiros dança a coreografia da música e é silenciosamente julgado por seus amigos, e ao final da peça sua cara é coberta por um pacote de Doritos, acompanhado da frase “Quer dividir alguma coisa com os amigos? Divide um Doritos.”. O comercial foi criticado pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) por insinuar que o comportamento da personagem era algo a ser escondido, motivo de vergonha. O CONAR concordou e vetou a veiculação do comercial na época.

Em ambos os comerciais vemos uma caricatura do que seria considerado comportamento não masculino, que é utilizada para dar humor à obra ao tirar sarro de um homem que não performa a masculinidade tradicional. Sobre as pressões sofridas por homens para se adequar ao socialmente aceito como “masculino”, a autora Flailda Garboggini diz em seu texto “O homem na publicidade da última década: Uma cultura em mutação”:

Historicamente, o homem se sente muito mais cobrado em sua masculinidade do que as mulheres em sua feminilidade. Ele precisa provar frequentemente sua virilidade. Desde criança, é desafiado a demonstrar ser um homem (GARBOGGINI, Flailda Brito, 2005, p 4)

No caso do segundo comercial, ao invés de abraçar esse preconceito, o comercial poderia ter abordado a situação humorística de “passar vergonha na frente de seus amigos” de um grande número de maneiras que não ofenderiam ninguém, ou poderia subverter expectativas e mostrar a mesma situação como normal e corriqueira, e não motivo de vergonha.

Posteriormente, a marca conseguiu melhorar sua relação com a comunidade gay a partir de 2015, quando lançou o produto promocional Doritos Rainbow, que consistia de um pacote contendo biscoitos de diferentes cores do arco-íris e só estava disponível através de doações à ONG americana It Gets Better Project, que atua na prevenção de suicídio com jovens queer. Apesar de enfrentar críticas de grupos religiosos conservadores, a campanha foi considerada um sucesso e chegou a ser repetida no México em 2016 e 2018, apoiando a versão mexicana da mesma ONG (Todo Mejora México, posteriormente It Gets Better Mx), e no Brasil em 2017 e 2018, apoiando na primeira edição a ONG Casa1, uma república de acolhimento de jovens LGBT situada na capital paulista, e na segunda distribuindo o lucro entre a Casa1 e quatro ONGs adicionais: ACL8 (Bahia), INESC (Distrito Federal), Todxs (São Paulo) e a União do Povo de Santa Edwiges (Fortaleza).

Seria então a campanha mais um caso de Pink Money? Tendemos a acreditar que não, pois apesar de ser um material com objetivo de divulgar a marca Doritos e associá-la com uma causa positiva para melhorar sua imagem, ela traz consigo um impacto positivo palpável na comunidade LGBT e promove de maneira positiva as ONGs envolvidas, beneficiadas pelo dinheiro arrecadado, a promoção da sua imagem e a propagação da sua mensagem.

Conclusão

A verdade é que a linha entre publicidade aparentemente social e a publicidade verdadeiramente representativa é tênue, se levarmos em conta que o propósito de toda e qualquer publicidade é vender uma ideia ou produto e, portanto, a única maneira de criar peças completamente isentas de duplicidade é promover diretamente as organizações e o movimento em si. Ainda assim, estudos sobre a exposição à simbologia LGBT nas mídias, como o de Bond e Compton (2015), indicam que ela por si só já traz uma mudança positiva na percepção do indivíduo a essas pautas, afetando inclusive espectadores heterossexuais. De acordo com o estudo:

Os resultados do estudo (...) sugerem que personagens gays normalizados interagindo com personagens heterossexuais em situações de validação também podem ser vistas como positivas e recompensadoras para audiências heterossexuais. Esses resultados sugerem que produtores poderiam criar mensagens que podem ter poder de validar espectadores gays sem ameaçar espectadores héteros (BOND, Bradley J., COMPTON, Benjamin L., 2015, p 15)

Existe também o impacto positivo que essa exposição traz para a juventude queer, ao despertar nessa parcela da população um sentimento de pertencimento e uma garantia de que sua orientação sexual ou identidade de gênero, ainda que não sejam completamente aceitas pela sociedade atual, não são inválidas e muito menos motivo de vergonha, mas sim parte integral de sua identidade.

Bibliografia

ESCOURA, Michele. “Girando entre Princesas: performances e contornos de gênero em uma etnografia com crianças” (p. 45)

BRAGAGLIA, Ana Paula; BEZERRA, Ana Luiza. “Publicidade aparentemente social”: uma análise da campanha Skol Reposter.

BURROWES, Patrícia. Compre essa ideia, consuma esse produto: o suave poder da comunicação de marketing no capitalismo cognitivo. Revista Famecos: mídia, cultura e tecnologia.

TOSCANI, Oliviero. A publicidade é um cadáver que nos sorri. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996. Capítulo “Crime contra a inteligência”. (p. 21-40)

LEITE, Francisco. A propaganda contra intuitiva e a politicamente correta.

BAGGIO, Adriana Tulio. A temática homossexual na publicidade: representação e estereótipos.

GARBOGGINI, Flailda Brito. O homem na publicidade da última década. Uma cultura em mutação?

JABLONSKI, Bernardo (et. all). Psicologia Social. 28 ed. Petrópolis: Vozes, 2010.

Bárbara G Leal, Renan Sanches e Victor Luyz
Enviado por Bárbara G Leal em 09/12/2018
Código do texto: T6522723
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