A DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA PARA “JOÃO DE DEUS” É (FOI) LEGAL?

Prólogo

Não nego que sou um oportunista. Gosto de dissertar sobre casos rumorosos. Foi por este motivo que resolvi escrever sobre o pedido da prisão preventiva de João Teixeira de Faria o "João de Deus" (suposto médium curador acusado de charlatanismo e abusos sexuais contra mais de trezentas mulheres). Por enquanto não há notícias que pessoas do sexo masculino também hajam sido abusadas.

Ao que tudo indica, pelos inúmeros depoimentos das supostas vítimas, a inserção do "apito" do acusado entre as coxas ou na boca das consulentes (alusão às supostas bolinações e ao sexo oral com as fiéis) era feito com o propósito de chamar anjos e/ou espíritos de luz para curar graves doenças e/ou infecções.

Todavia, segundo o próprio "João de Deus", assim como dezenas de centenas de crédulos fiéis esse modo de cura está sendo interpretado erroneamente.

Dedos do suposto médium também eram inseridos nas partes pudendas das consulentes ou acompanhantes tendo em vista a transferência de bons fluidos energéticos, segundo as testemunhas, para curas milagrosas. Atônitas, mas tudo sempre à boa-fé, as prováveis vítimas se multiplicam à medida que algumas depõem firmes contra o acusado "João de Deus".

A QUEM INTERESSA O PRESENTE ESCRITO?

Jocosidades à parte, este texto interessa sobremaneira às mulheres (religiosas ou não), aos advogados criminalistas, aos estudantes de direito e estagiários; aos curiosos, autodidatas e sociedade em geral. Por questões de ética e de foro intimo não posso opinar sobre o mérito (Certo ou Errado, Culpado ou Inocente) da questão, mas a nossa Constituição Federal de 1988 é cristalina quando reza:

“Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” – (artigo 5°, inciso LIV, da Constituição Federal do Brasil).

COM A PALAVRA OS NOTÁVEIS JURISTAS

Sobre a questão proposta no tema do presente escrito quero deixar com a palavra, para uma abalizada resposta, os juristas de notável saber jurídico. Sou apenas um graduado e pós-graduado em Ciências Jurídicas e Sociais (Direito) formado na Universidade Federal do Rio de Janeiro – (UFRJ) e não na USP/SP, como eu queria, com Mestrado, Doutorado e/ou Pós-Doutorado fora de meu sofrido, vilipendiado, corrompido e anarquizado país.

VAMOS AO QUE INTERESSA

O Supremo Tribunal Federal – (STF) esclarece que:

“A prisão preventiva supõe prova da existência do crime (materialidade) e indício suficiente de autoria; todavia, por mais grave que seja o ilícito apurado e por mais robusta que seja a prova de autoria, esses pressupostos, por si sós, são insuficientes para justificar o encarceramento preventivo (...). A tais requisitos deverá vir agregado, necessariamente, pelo menos mais um dos seguintes fundamentos, indicativos da razão determinante da medida cautelar:

a) a garantia da ordem pública; b) a garantia da ordem econômica; c) a conveniência da instrução criminal ou; d) a segurança da aplicação da lei penal.

No mesmo julgado, ainda, os ministros salientaram que “essa medida cautelar somente se legitima em situações em que ela for o único meio eficiente para preservar os valores jurídicos que a lei penal visa a proteger, segundo o art. 312 do Código de Processo Penal. Ou seja, é indispensável ficar demonstrado que nenhuma das medidas opcionais indicadas no art. 319 da lei processual penal tem aptidão para, no caso concreto, atender eficazmente aos mesmos fins, nos termos do art. 282, § 6º, do Código de Processo Penal”.

A CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA E A PRISÃO PREVENTIVA

Entendo, salvo outro juízo, que a prisão preventiva afronta diretamente a Constituição Federal, pois em seu artigo 5°, inciso LIV, preestabelece que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, o inciso LVII diz que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória” e o inciso LXVI preconiza que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”.

É claro e cristalino: A PRISÃO PREVENTIVA, sob a ótica da Carta Magna, viola um princípio inerente a todos os seres humanos, o da presunção de inocência ou o “in dubio pro reo”, que estabelece a inocência como regra, sendo que somente após um processo concluído em que se demonstre culpabilidade do réu, o Estado poderá aplicar uma pena ou sanção.

Ocorre que os detentores de autoridade para decretar a prisão preventiva do acusado "João de Deus" não a consideram uma sanção, mas UMA MEDIDA CAUTELAR e querem aplicar, a este caso, o princípio "in dubio pro sicietate". Vamos acompanhar pela mídia e ver no que dará esse quiproquó ou imbróglio.

A QUESTÃO BASILAR DA PROVA

É claro que a decretação da prisão preventiva exige a presença de pressupostos ("fumus comissi delicti"), que são cumulativos, consistentes na prova da materialidade do crime e indícios suficientes da autoria. A pergunta é simples: No caso das acusações contra “João de Deus” existem indícios suficientes da autoria?

Se a resposta for “SIM” o meliante travestido de “guru espiritual” estará em maus lençóis! Se a resposta for “NÃO” o cidadão cognominado “João de Deus” deverá ser alçado ao mais alto grau de seriedade, boa-fé, bom siso e cidadania não apenas pela sociedade e por todas as pessoas que o acusam, mas principalmente pelas autoridades coatoras e, provavelmente, induzidas ao erro pelo clamor público.

CONCLUSÃO

A prova da materialidade é a certeza da ocorrência da infração penal. Geralmente é demonstrada por meio do exame de corpo de delito quando se tratar de crime não transeunte, que são aqueles que deixam vestígios. Se tratar-se de crime que não deixar vestígio (transeunte) ou estes tiverem desaparecido, a prova testemunhal pode suprir a sua falta, nos termos do artigo 167 do Código de Processo Penal. Conforme lembra NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal – 12ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p.552.

Nós advogados sabemos que os crimes sexuais (estupros, abusos, bolinações e assemelhados) são praticados às escondidas, isto é, sem testemunhas pela obviedade das intenções ou propósitos dos infratores. Nesses casos os depoimentos da vítimas têm peso substancial e são, quase sempre, consistentes e por isso convincentes a depender do número de vítimas acusatórias.

Relativamente ao testemunho do ofendido, é importante esclarecer que não tem o mesmo peso que o depoimento de terceiro, todavia, em se tratando de crimes sexuais, praticados às escondidas, ganha mais valor, embora possa ser ainda mais recheado de mágoa ou sentimento de proteção ao agressor que na maioria dos casos, pois o ofensor pode ser pessoa por quem guarda algum tipo de afeto (NUCCI, 2008, p. 443).

E para NÃO RESTAR DÚVIDAS repito: Sobre a questão proposta no tema do presente escrito quero deixar com a palavra, para uma abalizada resposta, os juristas de notável saber jurídico tais como alguns que, “data venia”, no momento ouso citar seus nomes sem obedecer a nenhum critério organizacional: Márcio Thomaz Bastos, Pierpaolo Cruz Bottini, Antonio Carlos de Almeida Castro, José Luís de Oliveira Lima, Arnaldo Malheiros Filho, Wilson Witzel, Luiz Flávio Gomes e tantos outros colegas não lembrados neste momento.