OLHAR PARA DENTRO

Trancar-se a quatro chaves na plenitude do vazio. Desligar-se do mundo que conhecemos, este vaso opaco cheio de incertezas, por alguns instantes não é fuga, é encontro. Uma vez conectado momentaneamente apenas consigo mesmo, é possível ao homem, muitas vezes à beira de um abismo sem fundo, redesenhar o seu miserável caminho e, com um leve toque de desespero a lhe fustigar as entranhas da alma, planejar, num assomo de fé, os passos que terá de articular a fim de chegar ao formidável porto seguro que o mundo, engessado pelos seus métodos e sistemas inflexíveis, não lhe oferece.

A vida é insegura por natureza, desde o alfa até o ômega da atribulada existência terrena. As árvores se abraçam quando se sentem inseguras, embora não tenhamos a sensibilidade vegetal — revelada em cores visíveis e sons inaudíveis — para que possamos testemunhar, comovidos como os pássaros, o enlace físico e o grito esverdeado que jorra de suas folhas cegas de temor profundo e inconsolável pela cartesiana razão humana.

Todavia, se realmente desejarmos respirar com segurança, que encontremos, com algum esforço da fecunda imaginação, essa fugidia sensação em nosso âmago, este cofre onde guardamos os nossos segredos mais intocáveis pela crítica alheia e inconfessáveis até à nossa própria consciência moral, posto que a vida que nos foi dada a conhecer limita-se como é de costume — a vida é limitada — a nos oferecer desafios que lhe são necessários e, principalmente, a nos cobrar, às vezes até contabilmente, a superação dos obstáculos que não escolhemos transpor, mas dos quais depende o nosso bem-estar na sociedade com a dignidade que formos capazes de imprimir a duras penas ao nosso quebradiço padrão de vida.

Carlos Henrique Pereira Maia
Enviado por Carlos Henrique Pereira Maia em 05/03/2019
Código do texto: T6589981
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