A cidade do futuro

A cidade do futuro

Alexandre Santos*

Em processo robustecido ao longo do tempo por fatores econômicos, o século passado consolidou uma sociedade urbana – condição que passou, inclusive, a servir de parâmetro para medir o nível de ‘desenvolvimento’ dos povos. As sociedades rurais seriam as ‘mais atrasadas’ e, em contraponto, as urbanas, as ‘mais adiantadas’. Nos dias correntes, em tendência ascendente, 81% dos brasileiros moram em cidades, deixando os campos desertos e, em compensação, adensando aglomerados urbanos com crescentes multidões.

Nas cidades, cumprindo esquemas sociais e econômicos que seguem a mesma lógica, as pessoas almejam trocar casas por apartamentos e tendem a se amontoar em torres cada vez mais altas. Naturalmente, sem alternativa, as populações de menor poder aquisitivo são levadas a habitar áreas insalubres, inseguras e mal servidas. Surge, então, a urbe concentrada que tende à verticalização e que, despreocupada com conforto, segurança e salubridade, espalha pobres conforme manda o mercado.

Na urbe, ao tempo que a escala de consumo viabiliza o funcionamento de gigantescos centros comerciais e, também, a instalação de equipamentos públicos, o adensamento populacional cria necessidades – algumas das quais de difícil superação, especialmente por conta da rigidez de características físicas prevalecentes e dos elevados investimentos requeridos. E, nesta ambiência, emerge a dúvida se as facilidades proporcionadas pelo adensamento populacional compensam os problemas dela decorrentes. Em certos momentos – como horários de pico ou períodos chuvosos – os engarrafamentos e os alagamentos dão maior consistência a esta dúvida e, progressivamente, um maior número de pessoas se pergunta se o “preço” pago pelos confortos da cidade vale a pena.

Nem assim a tendência urbanizante arrefece e, impulsionadas pelo modelo econômico e por novos padrões tecnológicos, as cidades continuam a crescer, convertendo-se em megalópoles incontroláveis.

É verdade que, acuado pela insegurança própria destes tempos modernos e amparado por avanços tecnológicos, um contingente progressivamente maior procura alongar a permanência no domicílio, desenvolvendo hábitos que fazem a festa dos empresários do entretenimento e da comunicação à distância e deixam, como consequência, uma assustadora alienação social. Esta nova dinâmica, no entanto, é insuficiente para resolver o problema da superlotação das ruas, pois o volume atraído para a segurança do lar é sobejamente superado pelo incremento trazido pela urbanização adensada. E, premido por mais pessoas, mais automóveis, mais edifícios, mais concreto e mais aço, o caos aumenta e se fortalece a cada dia.

Não brota sem razão o extenso rol de críticos do modelo de cidades – um leque que abriga desde os moderados, que apenas alimentam o sonho de “uma casa no campo” ou buscam refúgio em praias distantes sempre que podem, até os radicais, que, sem meias palavras, alardeiam a falência da urbe e defendem a migração de volta aos campos. Independente da forma e da veemência como o assunto é abordado, a maioria dos pensadores concorda que é hora de se repensar o modelo de cidades.

A maioria defende que a sociedade desfrutaria melhor qualidade de vida se trocasse as megalópoles por cidades pequenas. A ideia não é nova. No século XIX, numa espécie de premonição genial, Fourrier defendeu a vida em comunidades – os falanstérios – cuja população não ultrapassava 1.600 pessoas. Outros pensadores imaginam que a ‘vida aceitável’ pode ser alcançada em aglomerados máximos de 100 mil almas. Na realidade, não há nos meios científicos quem defenda a vida em megacidades.

Infelizmente, nada indica que, nos horizontes perceptíveis, a humanidade altere as vigas mestras do atual padrão de assentamentos. De fato, fruto de um sistema econômico e social de raízes muito profundas e dispondo significativa margem de manobra em variáveis expressivas, o modelo de cidades pode passar por adaptações capazes de conciliar as multidões com os espaços per capta progressivamente menores, ganhando sobrevida indefinida. O modelo de cidades marcha para o futuro levando consigo modificações impostas pela realidade – que, mais cedo ou mais tarde, obrigará o rodízio de expedientes contínuos – e permitidas pelas novas tecnologias – especialmente nas áreas da construção e dos transportes rápidos.

Não seria leviano imaginar cidades espalhadas por vastas áreas, organizadas em esquemas multipolares e diuturnos, crescendo para cima e para baixo em arranha-céus de profundos subsolos. A cidade do futuro não saberá o que é dia ou o que é noite, pois precisará usar todo o tempo e todos os espaços disponíveis para acomodar as pessoas e os serviços por elas requeridos. Ao contrário daquilo que a maioria deseja, a cidade do futuro será imensa, multipolar, vertical e diuturna.

Um saco!

(*) Alexandre Santos é presidente do Clube de Engenharia de Pernambuco.