A perseguição aos não-religiosos

Parece que está na moda falar que os cristãos são perseguidos pelo mundo e que estamos vivendo uma onda de cristofobia. Católicos e evangélicos são quase unânimes em dizer que os ateus e agnósticos estão promovendo uma era de ódio ao Cristianismo e, quem assistir a péssimos filmes como Deus não está morto, tem a impressão que os cristãos são perseguidos e incompreendidos em todos os lugares. Vale salientar que esses mesmos cristãos que falam que são perseguidos se negam a assumir que existe o outro lado da moeda: que existe um terrível preconceito contra ateus, agnósticos e não-religiosos em geral.

A perseguição aos cristãos que tantos católicos e evangélicos falam existe sim, mas se ocorre em países europeus ou como o Brasil(com 86% de católicos), não é sistemática como em países muçulmanos – quem não for muçulmano é chamado de infiel - ou ditaduras comunistas como a China ou Coréia do Norte. É bom que saibamos que também está havendo uma perseguição ferrenha aos cristãos na Índia por parte dos hinduístas, o que é lamentável em um país onde há mais de uma religião. Embora os adeptos do hinduísmo sejam em maior número, também há budistas e muçulmanos.

Falar que a ditadura da extinta União Soviética matou tantos cristãos não deve ser usado como desculpa para dizer que o ateísmo é ruim e que os ateus são monstruosos e desprovidos de ética. E Stálin matou inclusive um imenso número de comunistas, pois ele era bastante desconfiado e via em todo mundo um potencial traidor. Também não vale dizer que as ditaduras comunistas mataram mais para tentar minimizar as inúmeras mortes promovidas pela Igreja Católica e pela Protestante. Números não tornam um fato mais ou menos relevante. O que importa é que houve intolerância tanto dos ditadores comunistas quanto de líderes religiosos.

Vale lembrar que, desde que o Cristianismo foi ganhando poder, passou a perseguir com muita crueldade e violência. Podemos falar na morte da filósofa Hipátia, a primeira mártir pagã, que era professora na Universidade de Alexandria e tratava com justiça e igualdade os cristãos e pagãos. Ainda podemos falar na destruição de vários templos e bibliotecas que continham muitos registros valiosos que se perderam. Vale citar Giordano Bruno e Miguel Servet (morto pela Inquisição Protestante). Eram todos pessoas que nada fizeram além de buscar conhecimento.

A Igreja – Católica ou Protestante - era contra a busca de conhecimento e qualquer coisa diferente era logo considerada heresia. Daí tantas parteiras e mulheres que tratavam de doenças com ervas terem ido à fogueira. Além disso, houve as Cruzadas, que não só eram contra os muçulmanos, pois tinham como objetivo libertar Jerusalém dos seguidores do Islã, mas também os Cátaros e os Valdenses. Podemos concluir que nenhuma intolerância deve ser aceita.

Hoje, temos visto que cresceu a intolerância com ateus, agnósticos e pessoas que simplesmente não têm religião. A Universidade de Columbia, dos Estados Unidos, apontou que se desconfia de ateus como se desconfia de estupradores e, nos EUA, ateus têm menos chance de conseguir emprego. Tem-se visto casos de intolerância nos Estados Unidos e na Europa e, no caso desse primeiro país, a situação se torna mais grave no Sudeste, pois é uma região conhecida como “Cinturão da Bíblia”, em que as pessoas são mais conservadoras e religiosas. Nesta região, tem-se registrado casos explícitos de intolerância e muitos ateus e agnósticos, por virem de famílias muito religiosas, não assumem sua posição por medo de sofrer preconceitos. Houve também queixas de que, em uma escola do Kentucky, professores estariam perseguindo alunos não-cristãos.

A União Internacional Humanista e Ética, em 2017, apontou casos que comprovam o crescimento da intolerância com pessoas não-religiosas. Em países como Afeganistão, Irã, Malásia, Maldivas, Mauritânia, Nigéria, Paquistão, Catar, Arábia Saudita, Somália, Sudão, Emirados Árabes Unidos e Iêmen, ateus e céticos podem ser condenados à morte, pois apostasia (abandono da fé) é crime.

No relatório Freedom of Thought(Liberdade de Pensamento), em 2017, a ONG registrou vários casos de perseguição e violência contra ateus e não-religiosos em 85 países ao redor do mundo, apresentando o relatório ao Parlamento Europeu. Isso deve ser considerado pois o direito a ter ou não uma crença é garantido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948 e, entre os casos de perseguição, há execuções extrajudiciais, pressão apoiada pelo governo e pessoas que desaparecem e nunca mais são vistas.

O Brasil é um caso especial. Embora sejamos um Estado laico, temos a maior população católica do mundo (86%). O protestantismo ocupa o segundo lugar em religião no solo brasileiro, sendo 22% da população. A população não-religiosa se compõe de 8% de pessoas e uma pequena parcela se divide entre espiritismo, islamismo e judaísmo.

Aqui, embora o Código Penal criminalize a blasfêmia, não tem sido usado para reprimir críticas às religiões e apesar do ensino religioso não ser obrigatório pela Constituição, é matéria obrigatória em muitas escolas. Aliás, em escolas brasileiras, são frequentes os casos de bullying contra crianças que seguem cultos de matriz africana como umbanda ou candomblé e professores tratam com preconceitos essas crianças, por serem adeptas de “macumba”.

No Brasil, existe o preconceito social contra não-religiosos, que são vistos com desconfiança como pessoas sem caráter e “capazes de tudo.” Muitas pessoas, ao declararem não “acreditar em Deus”, foram alvo de ojeriza e comentários pejorativos, sendo chamadas de “secretárias do capeta” e “servas do demônio”. Algumas encontram dificuldade para encontrar emprego e são perseguidas no ambiente de trabalho.

É válido lembra que, em 2010, José Luiz Datena, do Brasil Urgente, culpou os ateus pela degradação social, associando descrença à criminalidade e uma pesquisa feita pelo Datafolha, em 2012, revelou que 86% dos brasileiros acreditam que crer em Deus torna alguém uma pessoa melhor. Somente 13% não viram associação direta entre religião e caráter.

Em 2007, o CNT/ Sensus, constatou que 84% dos brasileiros votariam em um negro para Presidente; 57% em uma mulher; 32% em um homossexual, mas apenas 13% em um ateu.

Que podemos concluir de tudo isso? Que infelizmente existe um forte preconceitos em relação a pessoas que não seguem religião ou não acreditam em nenhuma divindade, o que prova também que a religião ainda é um forte fator que muitos usam para julgar o caráter humano.