A humanidade (não) deu certo

A humanidade (não) deu certo...

De início, essa frase-clichê contém uma generalização sobre toda a humanidade que, por si só, induz a erro.

No âmbito da ciência, da tecnologia, da arte, do artesanato, dentre outros, a humanidade deu muitíssimo certo. Em contrapartida, no plano das relações humanas, essa frase demanda reflexão. Nesse plano, seu emissor está amargurado, desesperado e descrente com relação à humanidade. E é exatamente no tocante às relações humanas que cabe indagar o quanto a humanidade evoluiu ao longo da história da civilização. Segundo Steven Pinker, renomado psicólogo canadense, atualmente, nós somos mais inteligentes e menos violentos do que já fomos. Temos mais noção de justiça social, de direitos humanos e de respeito às diferenças do que em outras épocas, sendo que tem havido clamores contra o racismo, a homofobia, a transfobia, o desrespeito ao direito dos índios, das mulheres, enfim, das minorias de poder. Inegavelmente, estamos num momento de mudança de valores e de preconceitos. Contudo, ainda há muita violência com relação a essas minorias de poder.

Nesse contexto, cabe pensar o que é que pode ajudar a humanidade a ser melhor. Assim, estamos falando do lado saudável da humanidade, sendo que nós temos inúmeras categorias de pessoas e de profissionais atentos ao amor, ao cuidado e ao respeito para com as várias formas de vida desse planeta. Dentre eles, psicólogos, psiquiatras, psicanalistas, jornalistas, médicos, veterinários, ambientalistas e muitos outros tendem a focar sua atenção em uma vida melhor para todos. Obviamente, há exceções a essa tendência em todas as ocupações.

Então, cabe pensar as condições que favorecem uma humanidade saudável. Já se sabe por meio da psicanálise da psicologia e da neurociência que os primeiros anos de vida são fundamentais para o desenvolvimento saudável do ser humano. Isso inclui a qualidade do cuidado afetivo para com a criança, assim como cuidados materiais com sua alimentação, roupas, bem-estar em geral, ao lado de sua estimulação intelectual. Esses fatores favorecem a geração de uma humanidade mais saudável, feliz e capaz de dar certo.

As várias vertentes da psicologia estão interessadas em melhorar a vida humana. Dentre elas, a psicanálise tem chamado atenção para a importância fundamental dos primeiros anos de vida e do papel dos pais/cuidadores ao formar o novo ser que desponta. Por sua vez, a psicologia positiva aponta as seis virtudes do ser humano, que incluem sabedoria e conhecimento, temperança, coragem, transcendência, humanidade, justiça. Aborda, ainda, suas forças: criatividade, originalidade, abertura às novas experiências, pensamento crítico, lucidez, dentre outras. Essas linhas da psicologia fazem parte do movimento de grupos da humanidade atentos a uma vida melhor para todos. Outros segmentos da sociedade como os médicos sem fronteiras, os voluntários e alguns grupos religiosos estão focados na qualidade do trabalho profissional e das relações humanas. Contudo, não dá para falar que, em termos de relações humanas, toda a humanidade evoluiu.

Aí, entra a questão do amor nas várias vertentes da psicologia. Freud, por exemplo, dizia que a pulsão de vida/amor tem que prevalecer sobre a pulsão de morte/ódio na nossa psique. Jung considerava que onde o amor impera, não há desejo de poder e onde o poder predomina, há falta de amor. Um é a sombra do outro. Fromm - da abordagem culturalista - afirmava que o amor é a grande saída para existência humana. Reich - da perspectiva corporal - também defendia que tão somente o amor consegue superar nossas tendências agressivas e sádicas. Portanto, esses diferentes enfoques da psicologia enfatizam o amor como fator que favorece a saúde mental, a melhor relação consigo e com os demais.

Em suma, a humanidade tem dado certo nos setores ligados à inteligência, à lógica e à razão, bem como alguns de seus grupos tem dado certo sob o prisma das emoções e das relações humanas. Nem de longe, isso significa perfeição...

Referências

Freud, S. (2006). Observações sobre o amor transferencial. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1915).

Fromm, E. (1956). A Arte de Amar. São Paulo: Nova Fronteira.

Jung, C. G. (2011). Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. São Paulo: Vozes.

Pinker, S. (2018). O novo Iluminismo: Em defesa da razão, da ciência e do humanismo. São Paulo: Cia das Letras.

Reich, W. (1998). Análise do Caráter. São Paulo: Martins Fontes.

Maria Emília Sousa Almeida

Psicóloga, psicanalista e professora do Depto de Psicologia da Universidade de Taubaté

Autora de artigos de psicanálise

Maria Emilia Sousa Almeida
Enviado por Maria Emilia Sousa Almeida em 11/11/2020
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