REMIÇÃO PELA LEITURA

RESUMO: o objetivo geral do referido trabalho é analisar o Projeto Remição da Pena pela Leitura, de acordo com o que preceitua a Lei 12.433/11, a Portaria no 276/12 (DEPEN), do Departamento Penitenciário e a Recomendação 44/2013 do Conselho Nacional de Justiça, como possibilidade de ressocialização e aquisição do conhecimento para reinserção na sociedade. O atual sistema prisional brasileiro não tem atingido as suas funções, haja vista a superlotação, um dos principais problemas. No entanto, esse problema se arrasta há anos. A desestruturação do sistema prisional é gritante se comparada ao aumento da violência e da população carcerária. A justiça objetiva à transformação social e a constituição de uma sociedade mais justa, sem preconceitos ou discriminação de raça, sexo, cor, idade; uma sociedade livre, solidária, sem pobreza ou desigualdade social, como está prevista no art. 3º na CF/88, porém o que se constata é totalmente o oposto, pois no sistema prisional perdura o depósito de seres humanos e que na maioria das vezes sem terem ocupações, acabam se envolvendo cada vez mais com a criminalidade, por isso a remição pela leitura vem colaborar para que os apenados possam ter outro entendimento com relação às suas vivências.

PALAVRAS- CHAVE: Remição; Leitura; Sistema prisional; Apenados; Justiça;

ABSTRACT: the general objective of this work is to analyze the Remição da Pena da Leitura Project, in accordance with what required Law 12,433/11, Ordinance No 276/12 (DEPEN), the Penitentiary Department and Recommendation 44/2013 of the National Council of Justice, such as possibility of resocialization and acquisition of knowledge for reintegration into society. The current Brazilian prison system has not reached its functions, given overcrowding, one of the main problems. However, this problem has been going on for years. The destructuring of the prison system is stark when compared to the increase in violence and the prison population. Justice aims at social transformation and the constitution of a fairer society, without prejudice or discrimination of race, sex, color, age; a free society, solidarity, without poverty or social inequality, as predicted in art. 3rd in CF/88, however, what is found is totally the opposite, because in the prison system the deposit of human beings persists and that most of the time without occupations, end up getting more and more involved with crime, so remição by reading comes to collaborate so that the plucking can have another understanding regarding their experiences.

KEYWORDS: Remition; Reading; Prison system; Plucked; Justice;

1 INTRODUÇÃO

A Doutora REGIANE TONET DOS SANTOS, MM. Juíza de Direito da Comarca de Guaraniaçu e Diretora do Fórum, no uso de suas atribuições legais que lhe são conferidas, com base no art. 66, c, da Lei 7.210, vem disciplinar a remição de pena na Delegacia desta comarca, que a partir da Portaria n 001/2018 institui o Projeto Remição Pela Leitura, em consonância com o disposto na Lei de Execuções Penais e Lei n.17.329, de 08/10/2012, do Estado do Paraná.

A remição da pena pela leitura consiste em conceder ao apenado a redução de quatro dias de sua pena total, caso ele pratique a leitura de obra clássica, literária ou filosófica no período de trinta dias. Esse direito está expresso na Constituição Federal em seu artigo 205, o qual diz que a “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

Especificamente a remição está prevista no artigo 126 da Lei de Execução penal. Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena. (BRASIL, 1984). Diante disso é possível tornar a vida do apenado mais humanizada, pois este tem a chance de aumentar seus conhecimentos e acima de tudo mudar de atitude com relação ao mundo em que vive.

De acordo com Nucci (2012) a “Remição é o resgate da pena pelo trabalho ou estudo, permitindo-se o abatimento do montante da condenação, periodicamente, desde que se constate estar o preso em atividade laborativa ou estudando”. (NUCCI, 2012, p. 39).

Este trabalho foi realizado por meio de doutrina, jurisprudência, sites de internet, legislação aplicada ao caso, artigos, revistas, bem como todos outros meios passíveis com fins de incorporar e dar matizes ao presente.

Para tanto este estudo será dividido em: prisão no contexto social e histórico; o princípio da dignidade da pessoa humana; remição pela leitura: letramento literário.

2 PRISÃO NO CONTEXTO SOCIAL E HISTÓRICO

Cometer crimes é agir contrariamente às normas de conduta de uma sociedade, dessa forma deve responder perante a Justiça Criminal e consequentemente pode ser condenado, diante disso receberá uma pena proporcional à gravidade do crime cometido e uma das penas mais comuns é a prisão.

De acordo com os estudos de Michel Foucault, a prisão surgiu no fim do século XVII e princípio do século XIX com objetivo de servir como peça de punição. A prisão se fundamenta na “privação de liberdade”, salientando que essa liberdade é um bem pertencente a todos da mesma maneira, perdê-la deve custar a punição igualmente para todos, permitindo a quantificação da pena segundo a variável do tempo: “Retirando do tempo do condenado, a prisão parece traduzir concretamente a ideia que a inflação lesou, mais além da vítima a sociedade inteira”. (FOUCAULT, 1987, p.12). O cárcere sempre existiu, era um meio de custódia daqueles que aguardavam julgamento no âmbito penal (FOUCAULT, 1987, p.12).

No Brasil, surgiram as primeiras prisões em 1551 na cidade de Salvador- BA, localizado no terreno das Câmaras Municipais, em prédios Militares e cárceres eclesiásticos. As celas eram separadas por grades, por onde os reclusos mantinham contato com os transeuntes.

Segundo Luis Francisco Carvalho Filho, havia celas eclesiásticas que estimulavam a reflexão em torno do pecado cometido, aproximavam o pecador de Deus. Além das casas de correção às quais recuperavam mendigos, desordeiros, autores de pequenos delitos, sob o comando da ética calvinista: trabalho, ensino religioso e disciplina (CARVALHO, 2002).

A partir de então, a finalidade da prisão passou a ser isolar e recuperar o infrator. Essa é a essência do sistema punitivo, pois todo rigorismo desse sistema tinha como finalidade primordial preparar o preso para o retorno à sociedade.

A penitenciária agiria justamente onde aquelas instituições falharam: na imposição de rotinas, no estimulo a reflexão, ao trabalho e ao arrependimento, na disciplina e na distribuição de castigo físico para quem desobedecesse às regras do confinamento. A vantagem do sistema [...] estava na possibilidade de adaptar o preso á rotina industrial: o trabalho em oficinas, durante oito ou dez horas diárias, compensava custo de investimento e dava perfil mais racional ao presídio (CARVALHO FILHO, 2002, p. 25-26).

A partir do momento que as instituições falham, os cidadãos estão sujeitos a cometer delitos e estes devem ser punidos pelas infrações cometidas, mas nem sempre foi assim, em épocas remotas estes eram castigados, pois haviam desobedecido as regras.

Para Gonzaga essa contextura de regras, eivada mais de religiosidade do que de laicismo, foi lenta e preocupante, na medida em que os povos daquela época tinham uma convicção profunda de que eram deuses e determinavam as regras, que as ditavam pela boca de seus predestinados, o que, certamente, era forçado por quem detinha o poder (GONZAGA, 2002).

Em 1821 inicia-se a preocupação das autoridades para com a condição das prisões, pois o preso era jogado em masmorra estreita, escura e infecta, a prisão deveria servir para guardar as pessoas e não para adoecê-las ou flagelá-las.

Devido a esta situação, a Constituição Federal de 1924 estabeleceu em seu artigo 179 que as prisões deveriam ser seguras, limpas e arejadas, havendo a separação dos réus conforme a natureza de seus crimes. Esta mesma Constituição também determinou que as unidades penitenciarias se adaptassem para que o apenado pudesse trabalhar.

A realidade dos presídios e delegacias no Brasil está longe do aceitável, não acalcando assim a finalidade que a esses órgãos é atribuída. Diariamente aparece na mídia situações que retratam as condições de miséria dos apenados.

O atual sistema prisional brasileiro não tem atingido as suas funções, pois a superlotação é um dos principais problemas, existem mais presos do que vagas, praticamente todos os estabelecimentos pressionais estão superlotados. Esse problema se arrasta por muitos anos, isso consta no relatório de 1998, intitulado “O Brasil atrás das grades” elaborado por uma organização em defesa dos direitos humanos, chamada Human Rights Watch, apontava o seguinte:

Embora as condições variem significativamente de um Estado para outro, e de uma instituição para outra, as condições carcerárias do Brasil são normalmente assustadoras. Vários estabelecimentos prisionais mantêm entre duas e cinco vezes mais presos do que suas capacidades comportam. Em alguns estabelecimentos, a superlotação, atingiu níveis desumanos com detentos amontoados em pequenas multidões. As celas lotadas e os dormitórios desses lugares mostram como os presos se amarram pelas grades para atenuar demandas pelo espaço no chão ou são forçados a dormir em cima de buracos de esgoto (HUMAN RIGHTS WATCH, 2012, p. 26).

Dias entende que a parte estrutural dos presídios é construída para que o condenado ou agente do delito possa cumprir de maneira adequada a pena que o estado lhe impõe, porém, no Brasil a realidade não é assim. A infraestrutura dos estabelecimentos não são adequadas ao sistema, em alguns Estados nem sequer existem vagas pra suprir a demanda, gerando desconforto e problemas de prestação de serviço aos detentos.

A reengenharia e outras iniciativas destinadas a dar forma aos negócios e às organizações já transformaram o processo de trabalho, agora é necessário transformar as pessoas que trabalham nelas para conseguirem um conjunto capaz de desempenho superior (DIAS, 2014).

A desestruturação do sistema prisional é gritante se for comparar o aumento da violência e da população carcerária. Vários fatores culminaram para que se chegasse a um precário sistema prisional, entretanto, o abandono, a falta de investimento e o descaso do poder público ao longo dos anos vieram por agravar ainda mais o caos chamado sistema prisional brasileiro. Sendo assim, a prisão que outrora surgiu como elemento substitutivo da pena de morte, das torturas públicas e cruéis, atualmente não consegue efetivar o fim correcional da pena passando a ser apenas uma escola de aperfeiçoamento do crime, além de ter como característica um ambiente degradante e pernicioso acometido dos mais degenerados vícios, sendo impossível a ressocialização de qualquer ser humano (ARRUDA, 2014).

É possível traçar um paralelo entre as escaladas da criminalidade e o consequente agravamento da crise do sistema carcerário como modelo econômico neoliberal adotado pelos governantes. É inegável que, pelo fato do crime tratar-se de um fato social, o aumento da criminalidade venha a refletir diretamente sobre o quadro social no qual se encontra o país.

Esse modelo constitui-se num modelo de filosofia do Estado nas relações econômicas e sociais. Ele nada mais é do que a repetição do liberalismo outrora existente.

Dessa forma, o Direito Penal, assim como as prisões, estaria servindo de instrumento para conter aqueles não “adequados” às exigências do modelo econômico neoliberal excludente, que são os miseráveis que acabam não resistindo à pobreza e sucumbindo às tentações do crime, tornando-se delinquentes.

Sendo assim, entende-se que pelo fato de estarem totalmente inter-relacionados, dentro de uma mesma conjuntura a falência do sistema prisional e o modelo econômico neoliberal, não pode ser vislumbrada uma expectativa de melhoria do sistema penitenciário e nem uma redução de índices de criminalidade se não for revisto o modelo de política econômica e social implementado pelos governantes do nosso país.

Desde o surgimento das cadeias públicas e da primeira Penitenciária em 1902 a Secretaria do Estado dos Negócios do Interior Justiça e Instrução Pública e a Chefatura de Polícia eram os órgãos responsáveis pelas cadeias e penitenciária do Estado do Paraná (GONZAGA, 2002).

Essa subordinação direta à Chefatura de Policia foi adotada até a criação do Departamento de Estabelecimentos Penais do Estado - DEPE, através da Lei 1767 de 17 de fevereiro de 1954, sendo designado como Diretor Geral o Dr. Jozé Munis de Figueiredo, que desde 1951 estava à frente das obras de conclusão da Penitenciaria Central do Estado, e acumulando a Direção da Penitenciária do Estado (AHÚ) e da Prisão de Mulheres da Rua Barão do Rio Branco.

A partir de 9 julho de 1962, através do decreto 4615, é criada a Secretaria da Segurança Pública, passando o DEPE a subordinar-se à mesma e a responsabilizar-se pelas penitenciárias, prisões, escolas de recuperação, colônias, sanatórios e manicômios penais. Somente em 1971, em virtude do disposto do artigo 150 da Emenda Constitucional 3, de 29 de maio de 1971 e do Decreto 698 de 19 de agosto de 1971, o DEPE volta a jurisdição da Secretaria do Interior e Justiça.

A denominação DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional é adotada até 1975 quando passa a chamar-se Coordenação do Sistema Penitenciário – COOSIPE, que seria novamente modificada em 1987, dentro da nova regulamentação da Secretaria de Estado da Justiça, passando a denominar Departamento Penitenciário – DEPEN.

Tal situação perdura até 2000, quando através do Decreto n°2.881, de 19 de outubro de 2000, sua denominação é novamente alterada para Coordenação do Sistema Penitenciário do Estado – COPEEN e sua vinculação hierárquica passa para a esfera da Secretaria de Estado da Segurança Pública. Em 19 de março de 2001, pelo Decreto n°3.728, nova alteração, procedida a denominação volta a ser Departamento Penitenciário do Estado – DEPEN, ainda sobre a esfera da Secretaria de Estado da Segurança Pública. Em 2002 a estrutura organizacional do Estado modificada – Lei n°13667 de 5 de julho de 2002, é criada a Secretaria de Estado de Segurança, da Justiça e da Cidadania – SESJ, que incorpora em seu âmbito de atuação o DEPEN. Esta situação vigora até 30 de dezembro de 2002 quando através da Lei n°13.986 é recriada a Secretaria de Estado da Justiça – SEJU, com o DEPEN integrando sua estrutura.

A sociedade não pode esquecer que 95% do contingente carcerário, ou seja, a sua esmagadora maioria oriunda da classe dos excluídos sociais pobres, desempregados e analfabetos, que de certa forma, na maioria das vezes, foram “empurrados” ao crime por não terem tido melhores oportunidades sociais. Lembrando também que o preso que hoje sofre essas penúrias dentro do ambiente prisional será o cidadão que, ao pagar pelo crime, voltará ao convívio social e continuará no contexto excludente (ASSIS, 2007).

Ainda, o mesmo autor cita que o que se pretende com esta efetivação são as garantias legais e constitucionais na execução da pena, assim como o respeito ao direito do preso, é que seja respeitado e cumprido o princípio da legalidade, corolário do nosso Estado Democrático de Direito, tendo como objetivo maior o de se instrumentalizar a função ressocializadora da pena privativa de liberdade, no intuito de reintegrar o recluso ao meio social, visando assim obter a pacificação social, premissa maior do Direito Penal. Assim:

[...] Na falta de opções, o crime e a solução disponível, para não dizer a única alternativa, pois o Estado, que se pretende provedor – transformados, não consegue se quer garantir o mínimo ao indivíduo. E a sociedade, esquecendo-se das atrocidades já cometidas em nome da lei parece persegui-las pretendendo dar ao cidadão – preso o mesmo tratamento daquele que perdeu a vida por conta das barbáries praticadas nas guerras que marcaram o século passado. É preciso entender a violência como um traço característico da sociedade. O conflito integra a evolução do homem. Estão presentes em instituições como família, trabalho, escola, poderes políticos, também na própria justiça. Possuem concepções distintas, dependendo do grupo social em que se encerem. Porem, atualmente, crime passou a ser sinônimo de pobreza. E na tentativa de solucionara violência e o crime propagam-se a punição e a repressão como forma de exclusão dos criminosos. [...] (DEMARCHI, 2008, p.30).

Com a criação das primeiras Escolas os Assistentes Sociais passam a intervir na área relacionada ao Juizado de Menores de São Paulo, atualmente Vara da Infância e da Juventude. Com o Desenvolvimento profissional, os assistentes sociais do sexo masculino passam a atuar nas penitenciárias brasileiras, principalmente nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro. O assistente social ao iniciar as suas atividades na esfera da Justiça e da Juventude na década de 1940 passou a ocupar o espaço do perito na área social, atuando inicialmente como estagiário ou como membro do Comissariado de Vigilância (IAMAMOTO e CARVALHO, 1991).

Ainda segundo os autores, com o agravamento e as tentativas de controle e das sequelas da “questão social”, ampliou-se as ocupações dos espaços institucionais do Serviço Social, e passou-se a ter na justiça da infância e da juventude espaço privilegiado de ação, o que levou a formalização do seu trabalho no final da década de 40. É importante destacar que nesse momento da história Serviço Social não possuía uma visão da questão social e tratava os “problemas sociais” como caso de policia e de responsabilidade individual dos sujeitos.

A partir da década de 50 as práticas desses profissionais se consolidaram e se tornaram essenciais no atendimento de populações vulneráveis, principalmente, os privados de liberdade. Contudo, previsão legal de se instituir o profissional Assistente Social nas unidades penais ocorreu somente com a aprovação da lei de Execução Penal n° 7.210 de 11 de julho de 1984, especificamente nos artigos 22 e 23, que tratam da assistência (DEPEN, 2011).

Varelai faz observação de que o Serviço Social enfrenta hoje, no campo do sistema penitenciário, práticas e determinações tradicionais, estas atravancando os avanços da profissão, considerando que as leis, normas e decretos em vigor, que determinam as atribuições do profissional assistente social nas unidades penais do Paraná, ignoram legislações como a do Sistema Único de Saúde – SUS, Sistema Único de Assistência Social – SUAS, o Estatuto da Criança e Adolescente – ECA, Estatuto do Idoso, entre outras legislações sociais voltadas ao reconhecimento da condição de cidadania do usuário do Serviço Social (VARELAI, 2002).

Observa-se que a LEP não estipula atribuições privativas para o profissional assistente social, apesar de que no período em que a referida lei foi editada, em1984, tinha o entendimento que a assistência social era sinônimo de Serviço Social. No entanto, observa-se que a sistematização de tal prática nas unidades penais no Estado do Paraná, foi elaborada em um período em que já havia a compreensão de que a Assistência Social é uma política pública e que deve ser desenvolvida por diversos profissionais, entre eles o Assistente Social.

Saraiva e Neto relatam que é imprescindível a necessidade de mencionar que as penas aplicadas na Idade Média atingiam pessoas de classes subalternas, marginalizadas pelo massacre social imposto pelo clero e nobreza do medieval.

Neste contexto histórico as penas de mutilação, credo, banimento, castigos corporais e capitais têm a aplicação ditada pelos status da pertença aos estamentos e grupos sociais dominantes ou dominados no bojo da hierarquia social do período, assim como das contestações ditadas por disputas religiosas e do controle dos miseráveis, especialmente a partir do século XV, calcando a arqueologia, os objetivos dos sistemas penais destinadas à proteção de bens de determinados segmentos privilegiados à defesa e à repressão aos crimes contra a propriedade acompanha este processo de ascensão das novas classes capitalistas (SARAIVA E NETO, 2011). Portanto cita o autor:

O cárcere não pode ser considerado como fábrica de homens, do ponto de vista meramente econômico, mais ideológico e social. Desde Raspuhis, Bridewell, mais sobre tudo com os sistemas de Filadélfia e de Auburn que forma a matriz do moderno sistema penal, torna-se indissociável a Constituição desse sistema como elemento fundamental do processo de disciplinarização de corpos e mentes. Todavia, desde o início do século passado o sistema apresenta sinais de crise e esgotamento, deixando de cumprir com suas funções iniciais, processo em que se agrava com a crise da sociedade industrial, pós – 1970 neste sentido, como considerar penitenciária como modelo de sociedade ideal, diante da crise contemporânea do sistema penitenciário (ALMEIDA, 2009, p. 1).

Entende-se que por trás dessas soluções consideradas ilusórias, porque o sistema penal vigente produz mais morte e destruição social, esconde ainda a verdadeira essência do direito penal burguês, que, sobre a base de um corpo doutrinário de normas legítimas como necessária a intervenção de tipo repressiva sobre tudo aquilo considerado como uma ameaça e um estorvo a modo de produção capitalista Embora isso tenha uma continuidade histórica, a fase neoliberal do capitalismo revela a expansão do sistema penal como estratégia privilegiada de controle e gestão da pobreza, aprofundada principalmente por uma situação de desemprego maciço e estrutural. Interesses políticos e econômicos estão absolutamente imbricados no conjunto de mudanças que envolvem desde sanções de leis mais punitivas, até uma agressiva tarefa policial (KILDUFF, 2010).

A justiça objetiva a transformação social e a constituição de uma sociedade justa, sem preconceitos e discriminação de raça, sexo, cor ou idade, uma sociedade livre, solidária, sem pobreza e desigualdades sociais, como está prevista no art. 3º na CF/88, porém o que se constata é totalmente o oposto, pois o sistema prisional está sendo transformado cada vez mais no mero depósito de seres humanos, os quais, não merecem outra coisa senão ódio e desprezo e, convertidos em inimigos públicos número um, tornam-se os bodes expiatórios responsáveis por quase todos os males.

Por conseguinte, é preciso entender que todo cidadão de direito deve ter sua dignidade resguardada como cada ser humano, sujeito às leis que regem a sociedade.

3 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A Constituição da República Federativa do Brasil estatui em seu primeiro artigo, os princípios fundamentais ao exercício de um Estado democrático de direito, havendo dentre eles, a dignidade da pessoa humana. Este princípio impõe-se como núcleo básico e formador de todo o ordenamento jurídico, apresentando-se como meio de garantia dos direitos individuais e da existência digna da população.

Ao partir dessa premissa de que os princípios constituem o espírito da legislação, sua fonte de inspiração, base e forma integrativa de todo o ordenamento jurídico, atuam como máximas fundamentais de relevante dimensão ético-valorativa, limitando a intervenção estatal e da própria hermenêutica legislativa, de modo a resguardar aquilo considerado essencial à harmonia social e ao próprio ordenamento jurídico.

De acordo Sarlet (2001) o conceito de dignidade, a qual é inerente à natureza humana, assim se define:

Assim, vale lembrar que a dignidade evidentemente não existe apenas onde é reconhecida pelo Direito e na medida que este a reconhece, já que constitui dado prévio, não esquecendo, todavia, que o Direito poderá exercer papel crucial na sua proteção e promoção, não sendo, portanto, completamente sem razão que se sustentou até mesmo a desnecessidade de uma definição jurídica da dignidade da pessoa humana, na medida em que, em última análise, se cuida do valor próprio, da natureza do ser humano. (SARLET, 2001, p. 30).

Nesse sentido, entende-se que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana exalta a valorização e proteção do ser humano contra tudo aquilo que possa lhe pejorar, impondo-se assim como Princípio Maior à interpretação dos direitos e garantias atribuída as pessoas no texto constitucional.

Seguindo sob essa mesma ótica Queiroz (2005) declara que o reconhecimento moral da dignidade perante o âmbito social, posteriormente, também lhe foi atribuído um valor jurídico. Portanto, a tutela à dignidade da pessoa passou a ser compreendida como um fator indispensável ao pleno exercício de direitos, razão pela qual, assim como também afirma o ilustre doutrinador, passou a ser idealizada como um objetivo e necessidade de toda a humanidade, vinculando governos, instituições e indivíduos.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, a dignidade da pessoa humana, passou a ser efetivamente consagrada, no inciso III, do artigo primeiro do Texto Constitucional, apresentando-se como um princípio jurídico de valorização do ser humano. In verbis:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

III - a dignidade da pessoa humana;

Nunes (2002) contribui dizendo que “a dignidade humana é um valor preenchido a priori, isto é, todo ser humano tem dignidade só pelo fato de ser pessoa”. Isto significa que o direito à vida não relaciona-se somente ao direito de sobreviver, mas também ao direito de viver dignamente, resguardando seus valores, bem como os seus aspectos mínimos e necessários para a própria existência humana.

Por isso, para Nunes (2002) é incumbido ao Estado o dever de proporcionar condições para que a população possa viver dignamente, impondo restrições às atuações governamentais, por respeito à dignidade:

(...) Assim, também o Estado, incumbido de proteger esses direitos e fazer que se respeitem as ações correlativas, não só é por sua vez obrigado a abster-se de ofender esses direitos, mas também tem a obrigação positiva de manutenção da ordem. Ele tem também a obrigação de criar as condições favoráveis ao respeito à pessoa por parte de todos os que dependem de sua soberania (NUNES, 2002, pág. 53).

Outra questão que merece destaque é o fato de que um dos meios reconhecidos pelo Estado para a concretização e o efetivo exercício da dignidade no âmbito social, foi o reconhecimento do direito ao trabalho como um direito social, razão pela qual também teve seus preceitos resguardados constitucionalmente. Nesse sentido, visa-se que o homem por intermédio de seus próprios esforços possa suprir suas necessidades e conquistar seu espaço na sociedade, dignamente.

4. REMIÇÃO PELA LEITURA: LETRAMENTO LITERÁRIO

A leitura pode ser um instrumento civilizatório de reflexão e compreensão da realidade, portanto contribui para a conscientização ou politização, combatendo a ignorância e a alienação dos sujeitos, pois a mesma possibilita a estes leitores estabelecer relações com os conhecimentos prévios com o assunto abordado, tornando a pessoa que lê um leitor proficiente, capaz de entender sua realidade, suas vivências e seus contextos.

Silva (2002, p. 75), afirma que ler é um direito de todos e, ao mesmo tempo, um instrumento de combate à alienação e à ignorância. A função da leitura tem a ver com a liberdade de escolha, seja ela por prazer, compreender ou criticar o que foi lido.

De acordo com Brasil (2006) quando se oferece oportunidades de leitura literária em contextos de aprisionamento, constitui-se, na perspectiva do letramento etnográfico, uma forma de ampliar as condições de alcance à liberdade, de ressignificar o tempo na prisão, de acreditar na ressocialização, de atender a um direito institucional e humano, de oferecer a possibilidade de adquirir diferentes habilidades de leitura e escrita nas práticas sociais de uso e, principalmente, promover o desenvolvimento do educando como pessoa de direitos e não como sujeito sob tratamento carcerário. Assim, o letramento literário permite compreender os significados da escrita e da leitura literária para aqueles que a utilizam e dela se apropriam nos contextos sociais‖ (BRASIL, 2006b, p. 80).

Segundo D’ávila (1964, p. 2) a questão da leitura, seja do texto literário ou não literário, exerce um papel crucial, uma vez que permite ao aprendiz observar comportamentos humanos aquém de seu tempo e, posteriormente, relacioná-los ao seu próprio contexto de vida. Além disso, também propicia a esse sujeito a chance de embasar-se em discursos já construídos ao longo da existência humana e, a partir desses, reinterpretar outros discursos que o cercam; interagir com eles e modificá-los, a fim de constituir-se como sujeito capaz de compreender e melhor conviver na sociedade da qual faz parte.

Refletindo sobre as ações educativas desse projeto, a literatura e, consequentemente, o letramento literário possuem entendimentos distintos em sua implantação, mesmo sendo práticas de leitura que promovem a interação por meio da linguagem, realizadas a partir de mecanismos e atribuição de sentidos. Dessa forma, espera-se que o exercício da leitura contribua para a construção de novos pensamentos, que os sujeitos-atores descubram no letramento literário suas potencialidades na leitura crítica, emancipados como leitores e que tenham oportunidade de rever suas vivências.

As obras literárias encerram em si não apenas ação de ler, mas a compreensão que se tem dessa leitura e Freire (1989) contribui dizendo que:

[...] a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquela [...] este movimento do mundo à palavra e da palavra ao mundo está sempre presente. Movimento em que a palavra dita flui do mundo mesmo através da leitura que dele fazemos. De alguma maneira, porém, podemos ir mais longe e dizer que a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo, mas por uma certa forma de escrevê-lo ou de reescrevê-lo, quer dizer, de transformá-lo através de nossa prática consciente (FREIRE, 1989, p. 13).

É necessário entender que onde quer que estejam os sujeitos, estes precisam ler o mundo, sem deixar da leitura da palavra. Por isso, mesmo em situação de encarceramento os apenados têm direito de realizar leituras e estas servirem para a redução de suas penas, ou seja, remição pela leitura. Por isso, quando se proporciona acesso à cultura e à informação por intermédio dos livros, espera-se um movimento interior do educando, que as leituras realizadas propiciem mudanças nas convicções, no modo de olhar o mundo, ampliando seu horizonte de expectativas durante o período de reclusão.

Candido (1995) contribui afirmando que se deve considerar o poder humanizador da literatura, segundo o autor é possível dizer que:

Entendo aqui por humanização (já que tenho falado tanto nela) o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade a medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante.

Os seres humanos são distintos dos animais por serem racionais, mas muitas vezes não possuem humanidades, isto é, agem por instintos, não racionalizam determinadas ações, agem com o seus semelhantes como se fossem donos da verdade e pudessem decidir sobre a vida destes. São desprovidos de bons sentimentos, dificilmente aceitam regras de como viver em sociedade. Diante disso, necessita-se de ações humanizadoras, respeito e afeto para com o próximo.

A leitura, principalmente a literária no espaço carcerário é viável do ponto de vista da reflexão, a qual pode proporcionar apenado, consciência dos crimes que cometeu contra a sociedade, ao mesmo tempo ampliar as possibilidades de pensar o espaço carcerário como ressocializador, sabendo conviver da melhor forma possível com os demais detentos.

É preciso considerar que a prática da leitura para a remição pode instrumentalizar a função ressocializadora da pena privativa de liberdade, no intuito de reintegrar o recluso ao meio social, visando assim obter a pacificação social, premissa maior do Direito Penal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando se fala da população carcerária é preciso ter entendimento que esta merece respeito e que também é merecedora de solidariedade, compaixão e direitos, pois a partir de um crime, os sujeitos não perdem a condição humana, apenas ficam privados de liberdade e são julgados na forma da lei. Até o século XVII, nos países ocidentais, a expiação da culpa, segundo Foucault (2012) era realizada por meio do sofrimento e da mutilação do corpo até a morte; hoje, a pena, tende a ser correção da alma, isto é, reflexão e arrependimento das más ações praticadas.

Na concepção da remição da pena a partir de uma trajetória mais próxima de humanização conforme ocorre no projeto, Remição pela Leitura, é possível observar certa perspectiva edificante no que se refere à leitura literária, pois a partir desta haverá melhor conhecimento por atos humanos através dos tempos e descritos por meio do texto literário, ou seja, verossimilhança com a realidade de alguns apenados.

Não se pode negar que o acesso a obras literárias, para muitos é o caminho da liberdade, da ressocialização e da humanização, não apenas pela remição, mas pela possibilidade de sair das grades pelo pensamento, pelo sonho e pela imaginação proporcionados pelas histórias que encontram nos livros, uma vez que o homem interage com o mundo porque é capaz de ler de diferentes formas, com fins e sentidos diversos.

O homem vem sempre sendo seduzido pelas narrativas que, de maneira simbólica ou realista, direta ou indiretamente, falam-lhe da vida a ser vivida ou da própria condição humana. Assim, a literatura, ao se valer do ato de contar, perpetua a liberdade e procura manter a vida, especialmente porque se compromete de levar a fantasia, o sonho e o encanto da narrativa ao leitor.

Após as várias leitura é possível constatar que independente do local, a leitura proporciona aos sujeitos o entendimento do mundo, abre novas brechas para que as vivências sejam melhoradas e transformadas na medida em que seja praticada.

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