*Meu endereço

Meu endereço*

Estou pedindo aos meus amigos de todo o Brasil que, vindo a Sergipe e já que estão insistindo muito, não deixem de me visitar, pelo amor de Zeus.

Como eu compro fiado e não pago, tomo emprestado e não devolvo, tornei-me mais conhecido no bairro, que precisão em casa de pobre. De forma que, perguntando, todos informaram onde me escondo.

A nossa “casa é pobre, mas é nobre”, como diz o bordão, e lhes garanto que, de fome, aqui ninguém morrerá, se não vier de magote. Também ninguém morrerá de queda de rede, pois o chão não é furado; menos ainda de sede, já que temos água de chuva no camburão.

Minha rua tem 330m de comprimento e, por mais estrambótico que seja, possui três nomes oficiais. O pior é que nenhum desses aparece no Google Maps, por isso, fica impossível vir aqui, navegando pelo gps. O caminho deverá ser orientado pela fala, na expressão do gogó.

Quem vier de avião, ali perto do aeroporto tem muitos botequins, então aproveite e jante ou almoce logo por lá, pois aqui em casa, só temos dois pratos e um desses escapou milagrosamente de se quebrar esta semana. Não sei se ele terá a mesma sorte na próxima vez.

Fale para o taxista o destino, como se você conhecesse bem a cidade. Isso fará com que ele não pegue um roteiro mais curto e você acabe chegando antes da hora.

Preste bem atenção para não errar e lhe diga o seguinte:

- Ó “bixim!” Vai abeirando aqui pelo lado da sombra até o cruzamento com a avenida que segue rumo do Vai e Não Torna. Se o sinal estiver encarnado, tu esbarra; se tiver cor de açafrão, espera um tiquim; mas se estiver cor de jerimum, quebra para a direita e “rumbora” pela rua dos Quebra Molas, até onde tem um autdoor escrito “beba Fanta”. Lá, você dobra de novo para a direita e atola o pé neste acelerador e vai contando até dez igrejas de “crentes” daquele pastor pidão de dízimo. Na décima igreja, você para. Lá tem uma placa de tábua de madeira com uma seta feita com carvão, mandando dobrar à esquerda, no rumo de onde o vento encosta o cisco. Ok, então “simbora” até o pé da ladeira da Baba de Quiabo. Se estiver chovendo, ai, ai! Será conveniente retornar. Você irá ver como se pesca muçum com cambito! No cume da ladeira, tem um velho vendendo uns trecos numa coisa parecida com uma geringonça. Então você pergunta onde fica o Beco da Gillette, mas pergunte alto que ele é surdo e pensa que todo mundo só fala com ele gritando. Depois disso, é só dobrar. Nossa casa é branca com uma porta e duas janelas, entre seis outras brancas, uma é imprial às outras, sem número. Pronto, chegou! Agora se abanque e “rumbora” conversar miolo de pote.

Agora, se você vier de ônibus, a coisa será mais complicada. Isso porque motorista da rodoviária não vem para esses cafundós sem escolta policial, nem com reza do Frei Damião. Aí, meu cabra, você terá que pegar suas malas e subir quatro lances de dez degraus rumo à avenida da frente. É coisa pouca! Pegue um carro de aplicativo e venha pelo trecho, onde o Judas comprou a corda para se enforcar. Siga reto até a Travessa do Esqueleto. Seguir reto é a forma eufêmica de falar, porque não tem como vir reto. A rua tem mais voltas que jiboia esquentando-se ao sol no asfalto e você ainda conta com o incômodo de ser abordado por alguns moradores pouco educados, cobrando pedágio para você passar.

Vencidos esses pequeninos óbices, é passar sebo nas canelas e corre com vontade, porém com cautela, pois na frente tem uma ponte de madeira, que mais parece uma pinguela, após uma curva fechada e sem iluminação publica, com passagem de um veículo por vez.

Trezentos metros depois, você chegará ao Beco da Gillette, pelo lado oposto ao da primeira rota indicada, onde tem o velho surdo.

Dito isso, desejo-lhes boa viagem e até breve!

Piauiês;

Imprial= igual, idêntico.

Magote = muita gente.

Atolar o pé = acelerar.

Cafundós = fim de mundo, muito lange.

Passar sebo nas canelas = ser rápido.

Se abanque = assente-se.

Miolo de pote = água, jogar conversa fora.

         *Meu endereço é fácil, nem querendo erra.