AS DIFERENÇAS QUE UNEM

Prólogo

Escrevi este texto depois de ouvir o relato de um amigo a quem muito considero. Trata-se de um homem digno de respeito por ser um patriota averso a anarquia. As diferenças abissais entre ele e sua atual consorte são dignas de um escrito mais elaborado e urdidos por profissionais da área da saúde. Tentarei ser fiel a nossa conversa informal.

Em João Pessoa, PB., no ‘Best Western Hotel Caiçara’, depois de uma longa conversa, entre goles de um Malbec tinto seco, com coloração intensa e escura, semelhante ao vermelho púrpura, perguntei de chofre: “Posso escrever um pequeno texto dessa nossa conversa trocando os nomes dos personagens?”.

— Sim. Tudo bem. Vou apreciar sua arte e didática epistolar. Aliás, sou um seu fã desde quando estudamos no SENAI sob a direção do saudoso professor José Stenio Lopes. — Disse eufórico o hoje intelectual amigo Dr. Macedo de Oliveira, 76 anos, residindo em João Pessoa, PB, para em seguida falar sobre sua amada segunda esposa D. Yonne, 34 anos, (Nomes trocados em respeito à ética — N. do Autor).

OS PERSONAGENS

Dr. MACEDO

Macedo é um homem das ciências humanas, da razão, não muito afeito às emoções, apesar de demonstrar em alguns dos seus fantasiosos escritos um lado mais humanizado. É discreto, homem culto, que sabe um pouco de cada assunto, mas sempre enfatiza que ninguém saberá jamais de tudo; por outro lado, revela-se um introspectivo que entra em êxtase e até chora, em silêncio plangente, ouvindo a criação de Hans Zimmer “now we are free” na magistral interpretação de Lisa Gerrard.

Apaixonado pelo estudo sistemático do corpo humano, à guisa de terapia ocupacional, o Dr. Macedo faz pesquisas sobre os sistemas: celular, nervoso, ósseo, muscular, circulatório e outras funções orgânicas do complexo organismo humano.

SENHORA YONNE

Yonne nasceu em 'berço de ouro'. Seu patrimônio herdado, segundo informação do amigo Macedo é mais do que suficiente para suprir suas extravagantes necessidades sociais. Yonne é culta, mas quase sempre trava quando o assunto é sexo forte e tendencioso ao sadomasoquismo. Todavia, as marcas levemente arroxeadas no pescoço longo e fino, nas coxas, pernas e braços demonstram ser uma praticante dessa forma selvagem de fazer sexo.

Cabelos esvoaçantes, perfumados; dentes perfeitos, lábios carnudos em uma boca pequena. Em seu apartamento, segundo seu marido informou, quando não está seminua não veste roupa nenhuma. Emotiva e apaixonada em sua heterossexualidade bem resolvida, Yonne se transmuda em uma messalina quando dorme e sonha com seus passeios reais e/ou virtuais. Assim é a mulher gentil e educada que fala quase sussurrando, como se implorasse para ser possuída sem limites, mas com a delicadeza de uma primeira vez.

Durante minha conversa com o Dr. Macedo, na piscina do ‘Best Western Hotel Caiçara’, Yonne aproximou-se de nós apenas uma vez para dizer um "Oi. Apareça mais vezes", com a voz infantil, aflautada, e trajando um short amarelo excitante e uma camiseta rosa quase transparente. Permaneceu a distância com os delicados pés na água e olhando de soslaio de vez em quando.

Com esses furtivos olhares de viés, a mim, a jovem senhora esposa de meu amigo transmitiu, de forma subliminar, que seus valores se digladiam consigo mesma, pois em seu interior há um fogo que se transmuda em uma cascata morna buscando uma saída por entre as coxas bem depiladas, enquanto o outro seu eu e modo de ser se aquieta na mesmice do dia a dia por conveniência familiar, social e/ou religiosa.

AS PALAVRAS DO AMIGO MACEDO

Nos longos feriados fico em casa, nosso apartamento, lendo, vendo filmes ou seriados; ouço músicas estilo “new age”, para mim, de boa qualidade. Pesquiso, estudo, escrevo. Conheço meus limites e controlo minhas vaidades. Yonne sai, vai ao encontro do medo, da insegurança, do caos e confusões no trânsito e nas ruas. Talvez seja melhor assim porque se ficasse em casa não me acompanharia nas empreitadas aprazadas para os dias meus sempre desiguais. Não me permito apego às rotinas viciantes. Somos diferentes. Respeitamos nossas escolhas.

Ouço Hans Zimmer, Yanni, Enya e outras sublimidades energizantes; já Yonne prefere Marília Mendonça, Gustavo Lima, Wesley Oliveira e outros ritmos dançantes. Respeitamos nossas diferenças e escolhas. Fora dos muros de nosso apartamento o caos, a violência e o medo transformam humanos em zumbis; na selva de pedras prevalece a lei do mais cruel e violento, dos covardes e criminosos em detrimento dos homens de bem. Ela gosta disso e diz ser “adrenalina pura”.

Yonne não se deixa intimidar. Não há dia nem hora para ir ao encontro do mal, dos que lhe querem abater ou desmoralizar. E dizendo entre dentes “não tem nada a ver. Deixe-me experimentar” faz o sinal da cruz e parte dando risadas à procura de prazeres fugazes, numa demonstração ímpar de inconsequência danosa. Permaneço em nossa morada. Igual a você fujo dessa realidade perigosa. Creio que sempre existe algo novo para aprender e depois ensinar.

Quando Yonne volta, se conseguir voltar na madrugada chuvosa e fria, gostaria de lhe fazer um agrado, um carinho diferente, mas não consigo porque suas pupilas estarão mais uma vez dilatadas. Seu hálito azedo de bebida fermentada e álcool estará insuportável.

Ah! Que saudade tenho dos chamegos muitas vezes selvagens, em quaisquer locais de nossa casa, do hálito citrino de sua boca, dos lábios macios escondendo dentes perfeitos. Nossas relações sexuais, quando acontecem, ainda são selvagens e prazerosas, mas sabemos o limite para não sair da zona do prazer e nos tornarmos agressivos. (e até abusivos).

MINHA CAUTELOSA INTERRUPÇÃO AO DESABAFO DO AMIGO

— Vocês vivenciam uma relação aberta? Utilizam alguma droga ou energéticos? — Perguntei com a voz sumida à espera de uma resposta sincera. Eu estava receoso, mas o amigo não faz reprimenda e não se vitimiza. Ele é autêntico!

— Sim. Mas nem sempre foi assim. Você sabe o tanto quanto eu que para muitos casais, o relacionamento aberto é uma filosofia de vida, um sinônimo de amor livre. Depois que fiquei viúvo me casei com a Yonne. Esse é o nosso caso. Somos uma dupla merecedora de um estudo mais aprofundado por psicólogos e sexólogos, geriatras e biólogos renomados e festejados.

Pessoas esclarecidas iguais a mim e você sabem que sexo selvagem é aquele sem pudores, mais primitivo, com entrega total dos pares, muito desejo sexual, sem certo e errado. Seguindo esses conceitos, podemos considerar este tipo de sexo como uma prática fora dos padrões convencionais. Para isso acontecer usamos energéticos sim. Certamente Yonne não precisa disso pela pouca idade, mas eu já não sou o mesmo. Não sou hipócrita. Uso, mas não abuso – Fez um ar de riso como o do cafajeste que conheci outrora e continuou:

— Somos diferentes dos muitos casais que se digladiam por motivos bobos e surreais. Demoramos, mas finalmente aprendemos a conviver com nossas diferenças. Claro que nem sempre nossa relação socioafetiva foi perfeita. Eu estudava e ela ria. Colocava sal no café — por distração ou sacanagem — e eu dava o troco com uma boa risada... Eu sempre tentando superar meus limites e deficiências culturais e Yonne esbanjando suas potencialidades sociais. Ainda hoje, às vezes, circula pelo nosso apartamento seminua. Isso me excita e incita a nossa permissividade consensual.

É assim que levamos nossa vida... Em quase todos os sentidos somos equilibrados... Até nas finanças. Ela é filha herdeira de um falecido pecuarista de Goiás. Yonne não esbanja meu dinheiro. Já lhe contei essa história. Tentamos deixar as coisas mais leves, as diferenças menos diferentes, nos amando e acima de tudo – respeitando nossas escolhas. Isso para mim é o amor verdadeiro. Creio que nossas diferenças nos unem como deve ser no amor incondicional.

— Compreendo amigo.... A relação de um casal é um vínculo (elo) que há entre as duas partes. Além dos convencionalismos sociais, influenciadas também por questões culturais ou religiosas, o código acordado entre os dois lados pactua uma relação totalmente livre e de acordo mútuo. Existem casais que são abertos, isso significa que não dão muito valor à fidelidade. Não sentem ciúme, pois para eles isso é atraso social e espiritual. — Assim conclui minha conversa com o eclético amigo Macedo.

CONCLUSÃO

Pessoas que mantêm um relacionamento aberto diferenciam o amor do sexo. Ou seja, afirmam que se gostam e mesmo assim mantém relação com outras pessoas, sendo algo puramente físico, um sexo momentâneo que não tem maior significado em suas vidas. Essas pessoas que mantém um relacionamento aberto desejam viver fortes emoções e aventuras intensas, pois não querem viver com apenas uma pessoa.

Macedo e Yonne vivenciam uma relação aberta. Não é fácil manter uma relação deste tipo, esta é uma das razões pelas quais muitas pessoas acham difícil consolidar um amor deste modo. Existem regras a serem respeitadas. A principal regra é a discrição e manutenção da saúde alicerçada no respeito e aceitação das diferenças socioculturais.

Enfim, é de bom grado ressaltar que tudo que for feito sem respeito e empatia, sem consentimento, sem desejo sexual, sem excitação e entrega, pode ser perigoso por poder trazer prejuízos físicos e emocionais. Há milhares de anos sempre houve felizes e infelizes, mandantes, ou comandantes e comandados; ricos e pobres, saudáveis e doentes, assassinos e assassinados, equilibrados e desequilibrados... Macedo e Yonne se respeitam e são felizes cultuando as diferenças que os unem.

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NOTAS REFERENCIADAS

– Textos livres para consulta da Imprensa Brasileira e “web”;

– Assertivas do autor que devem ser consideradas circunstanciais e imparciais.