Academia de Letras – outra fogueira de vaidades?

Muito se fala que agremiações de celebridades amiúde funcionam mais como vitrines de egos, redutos de convicções conservadoras e de guerras de vaidades, e não para cultivar interesses coletivos e transformadores. Seria assim com as universidades, os sindicatos, os conselhos profissionais e científicos, os comandos militares, as diretorias públicas e privadas e mesmo os parlamentos, supostos de “representantes do povo”. O egocentrismo seria um onipresente e intransponível traço da natureza humana.

Nas academias de letras parece não ser diferente. O exemplo da Academia Brasileira de Letras, e por certo também das congêneres europeias que a inspiraram, parece confirmar isso. No início de sua história, a ABL condenou o mulato e hoje consagrado Lima Barreto a um “silêncio implacável”, interditando-o em razão de seu senso crítico e atuação combativa. Aos alterosos a verdade incomodava. Viviam a certeza de que a mentira desgasta relacionamentos, a verdade não; a verdade devasta! E assim perpetuavam a civilização do recato e da hipocrisia.

Outros episódios marcam a história da ABL: entre eles, as eleições de Getúlio Vargas e José Sarney, o repúdio vindo de Sérgio Buarque de Holanda, Carlos Drummond de Andrade, Chico Buarque de Holanda ─ Prêmio Camões em 2019 ─ e o longo perrengue com Mario Quintana, que após ter sua candidatura recusada por três vezes, recusou ele mesmo o convite feito pela ABL. Alega-se que o conhecido "Poeminho do contra" do notável poeta gaúcho seja endereçado aos “imortais” da ABL: "todos estes que aí estão/ atravancando meu caminho/ eles passarão/ eu passarinho!"

As recentes eleições de Fernanda Montenegro e Gilberto Gil como imortais da ABL e os votos em Daniel Munduruku parecem demonstrar que ela esteja se abrindo para expoentes da arte, da cultura e da militância, indo muito além da bajulação de ocasião demonstrada na “imortalização” de Getúlio, Sarney e outros, como o general Lyra Tavares, Roberto Marinho e Marco Maciel. Oxalá a ABL esteja finalmente incorporando o princípio expresso em frase do sociólogo ex-ministro da cultura João Luiz Silva “Juca” Ferreira: “Cultura não é uma questão de direita ou esquerda, mas de civilização ou barbárie”.

Possivelmente a abertura mostrada pela ABL decorre dos ares de intolerância que têm soprado nestes nossos tempos, que alertam para a imprescindibilidade da diversidade: compreender e aceitar o diferente é essencial para a sobrevivência da humanidade, e do que há de humano em cada um de nós. O impulso de endogenia, que pode ser comparado ao primordial instinto de sobrevivência, deve ser compensado pela capacidade de reconhecer e assimilar a riqueza da cultura, das virtudes do outro. A endogenia conduz ao nanismo e às atrofias. A inclusão faz prosperar; a xenofobia faz fenecer. A humanidade já superou o tempo de seus ancestrais vertebrados terrestres, os quase répteis pelicossáurios, quando o instinto de sobrevivência e a hostilidade com o diferente era essencial. Hoje, no mundo globalizado e superpovoado, essencial é a empatia, a solidariedade.

Mais que as universidades e os parlamentos, as academias de letras são agremiações imbuídas do desígnio cultural e artístico. Uma missão hoje revestida da amorosa obrigação de enternecer, incluir e expandir, e não segregar e elitizar; de conciliar e edificar, não irar e dividir; de enobrecer, e não amesquinhar.

O primeiro passo é abrir-se para o diferente; com ele vêm as novidades, as transformações. Elas escrevem o porvir.