MAIS DE 45 DIAS DE GUERRA

Passaram mais de 45 dias de guerra.

No meu sofá o tempo correu célere.

No peito, uma angústia difusa

permeou pensamentos meios tidos.

Na alma, um frio teimou em fixar-se

ignorando os apaziguamentos

das notícias e políticas de contenção.

Mas passaram 45 dias

e ainda há quem veja como distante

essa guerra que é de todos nós

e que a todos nós envergonha,

pejada de interesses comerciais apenas,

ignorando a lógica e a razão mais simples,

e tudo o que deveríamos ter construído

de valores civilizacionais.

E nesses 45 dias os gritos dos inocentes

vítimas de qualquer guerra,

vítimas de todas as guerras, doridos,

incontestáveis na sua crueza singela

de um sofrimento sempre imerecido,

deveriam servir para dar uma face ao mal,

demonstrando que não há teimas nem razões

nem absolutamente nada que justifique

o horror daquilo a que vemos acontecer na tv

como se fosse distante e alheio

ou inevitável.

Nesses mais de 45 dias

fomos todos permeáveis a argumentos

que nos colocaram dentro das fações

e das disputas políticas entre elas,

e deixamos completamente demonstrado

que não aprendemos nada com os horrores

do holocausto, do holodomor, e de todas as outras

guerras carregadas de maldade cruel e lucro insano,

não importando quem as tenha causado,

fomentado, disputado a tiros e mortes.

Nestes mais de 45 dias

as nossas opiniões têm sido cuidadosamente

fustigadas por quem sabe fazê-lo muito bem,

e hoje já falamos do uso de armas biológicas

de armas químicas, de outros horrores insanos,

como uma antecâmera para o uso

de engenhos nucleares que visam

forçar países a obedecerem a ditadores

que nem sequer são seus.

E nestes mais de 45 dias

num grito que não cabe nas nossas televisões,

que é real e feito de fome, morte e privações,

idosos e crianças, pessoas comuns, reais,

que pouco têm porque pouco puderam ter,

são mortos à bomba, a tiro, com violações

de mulheres e crianças, com mortes de

soldados forçados ao combate e usados,

sacrificados como carne para canhão.

E nestes mais de 45 dias

temos sido educados pelos evidentes cúmplices

de todo este horror, a aceitar um futuro pior.

Agora já convivemos com imagens

que ninguém deveria ter de ver. Agora,

as nossas crianças não são mais sagradas

nas escolas, nem os doentes nos hospitais,

nem a paz é já um valor social sublime

que deveríamos sempre perseguir.

Nestes mais de 45 dias,

nasceram narrativas vis que nos afastam

do que não deveríamos esquecer.

O mundo inteiro está sendo sacrificado

aos interesses de um punhado de gente

crápula e sem quaisquer escrúpulos,

e nós treinados para dizer amém,

sossegadamente, no conforto tão frágil

do que ainda é o nosso lar...

Nestes mais de 45 dias,

a humanidade vestiu-se de vergonha

e não importa, realmente não importa,

saber se alguém tem razão.

Não aprendemos nada com o passado

com as dores dos nossos avós e pais

e, indiferentes, parecemos empenhados

em merecer o horror que estes tempos

trazem para nós.

Vergonha !

Henrique Mendes
Enviado por Henrique Mendes em 15/04/2022
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