POBREZA (II)
Há uma pobreza resultante da miséria material, que lança milhões de pessoas à forme severa, à indignidade mais vil. Essa pobreza é fruto da ganância estrutural de grupos, de nações, de ideologias, que impedem a justa distribuição dos benefícios das riquezas produzidas na sociedade.
Há outra pobreza para além da escassez radical de bens: é a pobreza de alma.
A pobreza de alma se espalha em toda a sociedade moderna e ganha corpo em todos os níveis de convivência e se torna visível nas diversas segregações de que se tem conhecimento.
Essas segregações se mostram no descaso que se tem para com a dor do outro e, por isso, as mazelas da vida são incômodos de cada um e devem ser suportadas na individualidade, enquanto a ganância e o esbanjamento, sem qualquer pudor, se alastram.
Aí estão os suntuosos palácios, os monumentais templos religiosos, as glamourosas festas, verdadeiros bacanais de comemorações da vida, regados a desperdícios criminosos, ao reverso das carências tão flagrantes em cada canto.
Outro aspecto desse nível de pobreza de alma é o vazio espiritual e emocional que vêm dominando a vida social em toda a sociedade e em toda parte. Jovens e adultos se deixam envolver em banalidades, esquecendo os propósitos elevados que são conquistados pelo esforço, com persistência e determinação, cultivados com a consciência de que se está a construir um mundo melhor para si e para uma geração que há de vir no futuro.
O que estaria por detrás desse esvaziamento de interesse pela grandiosidade da vida?
Seria o modelo social instalado?
Seriam os discursos meramente teóricos?
Ao que parece, o rumo social está se dissolvendo, porque estamos nos ludibriando, ao querer eliminar o passado e desacreditar o futuro, numa exaltação ao presente, ao se valorizar somente o agora.
Suspender a lógica e a linearidade do tempo, esse tempo presente que surgiu do passado e segue para um futuro, fazer isso é suspender a lógica e a linearidade do tempo, a favor de um agora, sem compromisso com o passado e com o futuro. Agir assim é instalar-se num tempo vazio, insensato, oposto a sucessividade, o que elimina a causalidade que produz o novo.
A pobreza de alma é esse tempo vazio, carente de reconfiguração.
O tempo presente deve ser potencializado, conectando-o com o passado, resgatando-o e redefinindo-o como um tempo dinâmico, tempo para um fim repleto de alegorias que produzem certa doçura nos espaços de experiência, a enriquecer almas, na direção de um mundo novo.