Vida saudável e bons hábitos alimentares.

Até há não muito tempo, as pessoas, num dia frio, nublado, ao verem um cilíndro de luz enfiando-se por entre as nuvens que cobriam o céu, e projetando-se no chão, tratavam de nela se banharem, e, regozijando-se, diziam: "Ô, solzinho bom." Hoje em dia, neste mundo prático e desgracioso, muitos expõem-se ao Sol para, unicamente, produzirem, e para uso próprio, exclusivo, vítima D.

Em tempos idos, dos nossos avós, comia-se e bebia-se de tudo, por gosto, atendendo-se ao chamado da gula; empanturravam-se em banquetes fradescos os filhos-de-Deus, e àqueles que mal pegavam do garfo e da colher dava-se um abridor de apetite qualquer; todos tinham de crescer fortes e robustos; e eram louvados aqueles que, à mesa, não se faziam de rogado, e mandavam para dentro da barriga o que lhes ofereciam, até pedregulho, e entojados eram aqueles que torciam o nariz para este e aquele prático que lhes eram oferecidos.

A jabuticabeira estava carregada com suas deliciosas frutinhas esféricas, pretas, que reluziam ao Sol!? Dela arrancavam-lhas os filhos-de-Deus aos punhados, enchiam-se as mãos com elas, e levavam-las à boca, sem, antes, lavarem-las, e davam-lhes uma ligeira mordida para romperem-lhes a casca, e, escapando-se-lhe o sumo cobiçado, engoliam-lo, e muitos engoliam até a casca, e ao final da diversão estavam os adoradores da fruta irresistível com o bucho cheio, a barriga saliente, e o umbigo, destacado, na iminência de ser disparado para bem longe. Na mangueira, mangas, muitas, muitas mangas; lambendo os beiços de prazer, prelibando do prazer que sentiria ao levar as mangas tão desejadas à boca, com os olhos selecionava-se as mais suculentas, procurava-se, no chão, por uma já caída, pegava-a, e arremessava-a contra as mangas desejadas, uma, duas, três, quantas vezes se fizessem necessárias, até atingi-las e derrubá-las; derrubadas as mangas, a elas atirava-se, pegavam-las, ávido, enfiava-se-lhes os dentes, para arrancar-lhes a casca, e tirava-lhes nacos de bom tamanho, e chupava-lhes a semente; ao fim da brincadeira, após devorar duas, três, quatro, ou mais, mangas, satisfeito, estava-se com fiapos de manga entre os dentes e os dentes amarelados e alaranjados (ou amangueirados), e divertia-se com a situação bizarra, a exibir os dentes pontados de laranja e amarelo e adornado de fiapos da manga. E naqueles tempos chupava-se cana, descascada, e dela tirados os anéis, cortadas em palitos, e cuspia-se o bagaço; e comia-se goiaba, do pé, e ignorava-se o bicho-da-goiaba (e dele desdenhava-se), que ia, com a goiaba, para o bucho; e chupava-se laranja; e comia-se abiu, e abacate, e maracujá, e uva, e banana, e mamão; e tomate, e alface, e abóbora; e batata, e inhame; e o que mais encontrava-se pela frente. E dizia-se, então, que comia-se isto e aquilo porque gostava-se disto e daquilo; porque jabuticaba era uma gostosura, e manga uma delícia. E lambia-se os beiços, e os dedos. Nos dias que correm, antes de levar à boca seja o que for, fruta, legumes, verduras, carnes, consulta-se manual de nutricionista, à procura de informações acerca das propriedades nutricionais dos alimentos e do uso medicinal deles, e em que quantidade se deve ingerir tais e tais frutas, tais e tais verduras, tais e tais legumes, e em quais horas do dia, e acompanhados de quais e quais frutas, legumes e outros materiais comestíveis, e não se goza do prazer de comer uma fruta qualquer, a qualquer hora do dia, porque a aprecia; não se delicia com os alimentos. Muita gente, hoje em dia, alimenta, sem se alimentar, um amor pela vida saudável, pela alimentação saudável, que vai às raias do absurdo, do ridículo, do patético, do grotesco. Toda pessoa já ouviu, é certo, durante uma refeição, café-da-manhã, almoço, café-da-tarde, janta, um autonomeado doutor de bons hábitos alimentares, saudáveis, descarregar suas cantilenas, as dispensáveis e jamais solicitadas aulas de nutrição.

Até durante as refeições, hoje em dia, não se está livre de regras que alguém, um especialista, que segue o que as pesquidas indicam, em algum lugar, um laboratório de engenharia social, inventou, sabe-se lá baseado em quê. Até os nossos hábitos alimentares são determinados por agentes a serviço dos que almejam controlar-nos em todos os nossos atos e pensamentos. Absurdo?! Sim. Mas verdadeiro.

Daqui a pouco, irei comer um bom pedaço de melancia. Quais são as propriedades nutritivas e medicinais da melancia? Não sei, não quero saber, e tenho raiva de quem sabe. Gosto de melancia. Estou com vontade de comer melancia. Irei comer melancia. Bom apetite.

Ah! Esquecia-me: assim que eu me deliciar com a melancia, da qual comerei até as sementes, banhar-me-ei ao Sol. Para produzir em meu corpo vitamina D?! Não. Nada disso. Tomarei um bom banho de Sol porque, hoje, o Sol 'tá gostoso, 'tá bonito! Ô, solzinho bom!

Ilustre Desconhecido
Enviado por Ilustre Desconhecido em 17/04/2022
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