O Brasil de 1985 era verde, pura esperança! Novos rumos, governos e Estado. Um novo Congresso Nacional. A nação esperava muito de todos!

Em 1988, uma nova Constituição da República. Declaradamente, o País estruturava-se para os desafios gigantes e incomensuráveis do final do século.

Em 1992, o primeiro impeachment de um presidente na nova fase republicana. Conflitos de interesse, alvoroços, agitações partidárias... Tomava corpo uma nova maneira de governar a partir do Senado Federal e da Câmara dos Deputados. Algo parecido com um parlamentarismo presidencialista (?).

Mais à frente, nascia o Plano Real. O ano de 1994 foi marcado por uma esperança amarelo-ouro. Inflação domada, finanças e orçamento estruturados... Ciclo orçamentário definido: Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei do Orçamento Anual. O Brasil caminhava para estabilização econômica. Progresso a vista! Acertos e falhas até 2002, mas o Estado brasileiro estava estruturado em firmes bases monetárias, financeiras e econômicas – apesar da volúpia da intervenção parlamentar no Orçamento Geral da União.

De 2003 até 2016, o País foi desestruturado em suas bases econômicas, financeiras e orçamentárias. Escândalos diários, desvios, mensalão, petrolão e deu-se o segundo impeachment pós 1985.

Atualmente, existem três tipos de emendas parlamentares ao Orçamento Geral da União (OGU): individuais, bancadas e comissões. Ademais, ainda existem as emendas do Relator Geral do Orçamento, que influenciam sobremaneira na execução orçamentária do Executivo.

Está previsto que o montante das emendas individuais ao orçamento da União limita-se a 1,2% da receita corrente líquida (RCL) do ano anterior. No entanto, há uma obrigatoriedade de aplicação de 0,6% desse percentual em ações e serviços públicos de Saúde, isto é, a metade desse valor deve ser endereçada à Saúde.

Em 2022, R$ 10,9 bilhões foram alocados para as emendas individuais. Cada congressista pode elaborar até 25 emendas para o valor aproximado de R$ 17 milhões. Muito desse valor será direcionado para EMENDAS PIX – uma modalidade de emenda individual que pode ser rapidamente destinada ao município ou estado. Suas características são: não precisar apontar o objeto de gasto do valor; não necessitar de convênio para efetuar o repasse; quando de posse do destinatário (município ou estado), o valor é apropriado como recurso do beneficiário; o valor não pode ser endereçado às entidades privadas; não tem a obrigatoriedade de vincular-se às politicas publicas da União; e são fiscalizadas pelos órgãos locais de controle. Relativo às emendas de bancadas estaduais, foram destinados R$ 7,54 bilhões.

Referente ao Fundo Eleitoral (Fundo Especial de Financiamento de Campanhas), o valor será destinado a partir de junho para 32 legendas que concorrerão nas eleições deste ano de 2022. Esse valor é quase o triplo do que foi utilizado no pleito de 2018 e mais do que o dobro do montante de 2020. No início do exercício corrente, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu manter o valor do Fundo Eleitoral (R$ 4,9 bilhões) proposto pelo Congresso Nacional. O dinheiro do Fundo Eleitoral é repartido entre as legendas com base nos votos recebidos nas eleições gerais mais recentes e o tamanho das bancadas na Câmara e no Senado. A seguir, alguns valores a serem recebidos por alguns partidos: União Brasil - R$ 770,07 milhões (15,73% do total); PT - R$ 484,61 milhões (9,89%); MDB - R$ 356,72 milhões (7,28%); PP - R$ 338,59 milhões (6,91%); e PSD - R$ 334,18 milhões (6,82%); PSDB - R$ 314,09 milhões (6,41%). Seis partidos, dos 32 existentes, receberão os menores valores, R$ 2,94 milhões, dentre eles está o Partido Unidade Popular (UP). Você conhece?

Vale observar que esse valor aprofunda o abismo financeiro entre os partidos grandes e os pequenos. Por exemplo, o PT terá seus valores bem além do dobro, referindo-se às eleições de 2020 e as próximas de 2022. O montante pago aos petistas passará dos R$ 201 milhões no último pleito municipal para cerca de R$ 484 milhões em 2022 – incremento de 140%.

Outra questão relevante é a ausência de regramento para a distribuição do recurso por cada partido. Conforme a lei eleitoral, esses critérios são deliberações internas das agremiações partidárias.

Relativo ao Fundo Partidário (Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos), o valor alocado para 2022 foi: R$ 1,1 bilhão. A divisão dos valores acontece da seguinte forma: 5% do montante divididos igualmente entre todos os partidos com registro no Tribunal Superior Eleitoral; e 95% proporcionalmente à votação obtida na eleição para a Câmara Federal.

Ressalta-se que para participar do rateio desse percentual é preciso cumprir os requisitos da chamada cláusula de barreira, também aferidos pelo desempenho na eleição para a Câmara (em 2022, os requisitos serão obtenção de 2% dos votos válidos ou eleição de 11 deputados), o que garante não somente o acesso aos recursos, mas também o direito à propaganda gratuita no rádio e na TV.

Pelo exposto, percebe-se que a engrenagem político-orçamentária inibe a renovação nas casas do parlamento, uma vez que o pretenso candidato a senador ou deputado federal terá que mendigar recursos do partido político para montar suas estratégias de campanha. O parlamentar exercendo suas atribuições no Congresso Nacional está em vantagem incomensurável perante ao noviço, pois distribuiu valores das emendas individuais e de bancada para seus eleitores ou potenciais cidadãos que poderão aderir às suas ações político-orçamentárias na região. O neófito, aspirante à candidato - que ainda será escolhido pelo partido, ficará refém desse mecanismo. Restará ser escolhido pelos caciques do partido para concorrer e receber (possivelmente) recursos que possam bancar suas ações de campanha eleitoral.

Vale notar que se o aspirante é figura midiática ou celebridade, rapidamente pode ser convocado pelos partidos para disputar as eleições, pois isso gerará menos riscos e mais recursos provenientes dos fundos acima expostos.

Pelo dito, seria saudável uma profunda mudança nesses parâmetros... Mas quem deveria modificá-los é quase certo que não cooperará para isso. O parlamento, cada vez mais, avança sobre os recursos do OGU e os interesses difusos e individuais proliferam. A Lei do Orçamento Anual (LOA) vem sendo paulatinamente pulverizada para atender demandas corporativas de todas as espécies. Os interesses coletivos estão fugindo de cena.

Por derradeiro, o Brasil, em termos de emendas ao orçamento, está sobressaindo-se como exemplo a não ser seguindo, tanto pelos países sul-americanos quanto por aqueles da OCDE. Nesses países, os valores das emendas são baixos (quando existentes). Por aqui, a captura do orçamento por emendas parlamentares é 20 vezes maior do que o verificado em outros parlamentos.

Já finalizando este ensaio, evidencia-se que do total de investimentos no Orçamento Geral da União de 2021, as emendas ao orçamento representaram 54% dessa categoria. Pergunta-se, estamos no caminho certo? Como desenvolver políticas públicas com essa intromissão crescente do Legislativo no OGU ? Até quando o Executivo aguentará? E o povo, vítima dessa situação, como reagirá? E a renovação parlamentar, como ficará? Tempos turbulentos, cidadania comprometida... O País não avança – oscila e regride!

 

Obs.: o OGU é uma iniciativa do Poder Executivo. Anualmente, ele é enviado para O Congresso Nacional e apreciado na Comissão Mista de Orçamento (CMO) e levado para aprovação no Plenário do Congresso Nacional. Posteriormente, segue para a sanção do presidente da República. É nessa comissão que ele é emendado e, muitas vezes, desconfigurado de suas iniciais proposições relativas aos programas, projetos e atividades que suportam a continuidade das políticas públicas estabelecidas pelo Plano Plurianual e constantes do projeto de Lei de Orçamento Anual (LOA). O instrumento que parametriza tudo isso é a LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS (LDO) e os relatórios oriundos da CMO.