A herança romana

Fomos tentados a acreditar que o mundo moderno deve muitíssimo aos romanos: em primeiro lugar, porque Roma está mais perto de nós, no tempo do que qualquer outra civilização da antiguidade; em segundo, porque Roma parece mostrar um parentesco muito íntimo com o temperamento moderno.

Muitas vezes se têm salientado as semelhanças entre a história romana e a história da Grã-bretanha ou da América, nos séculos XIX e XX.

A evolução econômica romana cobriu todo o caminho que vai do ruralismo simples até um sistema urbano complexo, com problemas de desemprego, monopólio, enormes diferenças de fortuna e crises financeiras. Do mesmo modo, a sociedade romana teve seus fenômenos ( modernos) de divórcio, baixo do nível da natalidade e predileção por divertimentos espetaculares.

O Império romano, à semelhança do que aconteceu com a Inglaterra e os Estados Unidos da América, fundou-se na conquista e em visões de um destino manifesto. Não se deve esquecer, no entanto, que o espírito de Roma era o do homem clássico e, consequentemente, as semelhanças entre a civilização romana e as modernas não são tão importantes como parecem.

Como já salientamos, os romanos desprezavam as atividades industriais e eram incrivelmente ingênuos em assuntos científicos. Não tinham também qualquer ideia do estado nacional moderno; as províncias eram meros apêndices, não sendo consideradas como partes integrantes do organismo político.

Foi em grande parte por esta razão que os romanos nunca desenvolveram um sistema adequado de governo representativo.

Finalmente, a concepção romana de religião era muitíssimo diferente da nossa. Seu sistema de culto, como o dos gregos, era externo e mecânico, e não íntimo ou espiritual em qualquer sentido.

O que o cristão considera como o mais alto ideal de piedade – uma atitude emocional de amor para com o divino – era olhado pelo romano como grosseira superstição.

Não obstante, a civilização romana não deixou de exercer uma influência definida sobre as culturas posteriores. A forma, senão o espírito, da arquitetura romana conservou-se na arquitetura eclesiástica da Idade Média e sobrevive até o presente nas linhas da maioria de nossos edifícios públicos.

A escultura do tempo de Augusto vive também nas estátuas equestres, nos arcos e colunas comemorativos e nos retratos em pedra dos estadistas e generais que adornam os bulevares e os parques. Embora sujeito a novas interpretações , o direito dos grandes juristas tornou-se parte importante do Código de Justiniano e assim comunicou-se posteriormente à Idade Média.

Os advogados modernos e especialmente os juízes americanos citam, amiúde, máximas criadas por Gaio e Ulpiano.

Além disso, os códigos de quase todos os países contemporâneos do continente europeu incorporaram muito do direito romano. Esse direito teve notáveis repercussões no fortalecimento do direito de propriedade privada.

Não deve ser esquecido, ainda, que as obras literárias romanas inspiraram em grande parte o reflorescimento do saber que se espalhou pela europa no século XII e atingiu seu zênite na renascença.

Talvez não seja bastante conhecido o fato de ter sido a organização da igreja católica, para não falarmos em boa parte de seu ritual, adaptada da estrutura do estado tomano e do complexo da religião romana.

Por exemplo, o Papa ainda hoje ostenta o título de Sumo Pontífice ( Pontifex Maximus), que era usado para designar a autoridade do imperador como chefe da religião cívica. O elemento mais importante, porém, da influência romana, foi provavelmente a ideia da autoridade absoluta do estado.

No juízo de quase todos os romanos, com exceção de alguns filósofos como Cícero e Sêneca, o estado era legalmente onipotente. Apesar de muitos romanos terem possivelmente detestado a tirania, o que na realidade temiam era apenas a tirania pessoal, considerando perfeitamente legítimo o despotismo do senado como órgão da soberania popular.

Tal concepção sobrevive até os nossos dias na convicção popular de que o estado não pode errar e, particularmente, nas doutrinas dos filósofos políticos absolutistas que dizem não ter o indivíduo direitos além dos que o estado lhe confere.

Lahcen EL MOUTAQI

Professor universitário-Marrocos

ELMOUTAQI
Enviado por ELMOUTAQI em 10/05/2022
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