É Justa a Justiça?

- Nelson, você assistiu à série The Terminal List, com o Chris Pratt, ator que faz, no Guardiões da Galáxia, a vez de Senhor das Estrelas?

- Assisti.

- O que você achou da série?

- Muito boa.

- Você não acha que a premissa do filme, fazer justiça com as próprias mãos, faz um imenso mal à nossa sociedade?

- E por que o faria?

- Ora! Porquê!?! Se todas as pessoas se atreverem... Temos de confiar na justiça, não temos?!

- Você se refere à justiça com jota minúsculo, ou à Justiça com jota maiúsculo?

- Se conheço bem você, já entendi que você não irá concordar com o que tenho a dizer; deixarei, então, você falar, e falar livremente, a sua idéia. Sei que você tem algo a dizer, algo que, sei, não correspondendo com o que penso, tem seu valor. E talvez eu não apreciei o que de você eu ouvirei. Mas, vamos lá, Nelson, diga-me o que você tem para dizer. Sou todo ouvidos.

- Não há nada melhor do que a companhia de pessoas que sabem falar e sabem ouvir. Vou evocar um livro, livro bem antigo, livro de mais de dois mil anos, livro que, para a nossa felicidade, não se perdeu, no transcurso das eras, consumido por chamas imperiais, nem pelas traças, nem pelas intempéries, nem pela negligência de seus guardiões, livro de um teatrólogo grego, um comediante, Aristófanes. É o livro As Vespas. Não me ocuparei em resenhá-lo. Não é este o meu propósito. É o coração da obra o trabalho de juízes, que, entende quem a lê, atende ao chamado da justiça com jota minúsculo, e não ao da Justiça com jota maiúsculo. Quem sustenta os juízes? Os homens. Quais homens? Os poderosos. Os juízes trabalham, então, pensando na Justiça com jota maiúsculo, ou na com jota minúsculo? Deixo a pergunta em aberto. Vamos, agora, à série The Terminal List. Qual é a sua melhor cena? Qual é a cena emblemática, que traduz, e apresenta sem meias palavras, o espírito da série? A em que, se não me falha a memória, a jornalista chinesa, Buranek, fala para Reece que ele deveria levar os criminosos, que ele caçava, à justiça, e ele, então, replica: "Eu sou a Justiça." Esta cena é explicitamente uma leitura pessimista, de descrença do homem pelo sistema jurídico, pelo sistema legal. Buranek, em sua pergunta, referia-se à justiça com jota minúsculo, e Reece, na resposta, à Justiça com jota maiúsculo. Poderíamos dizer que é Reece um homem presunçoso, arrogante, pretensioso, e estúpido, e insano. Seríamos justo com ele dele pensando tão mal? Ou estaria ele, em seu tormento, apenas buscando, e com as próprias mãos, a Justiça, e Justiça com jota maiúsculo, porque ele, realista, vendo o mundo do jeito que ele é e não do jeito que ele gostaria que fosse, vendo o mundo real, que está diante de seus olhos, e não o mundo ideal, que só existe em abstrato, entende que a justiça, a justiça com jota minúsculo, e seus agentes, homens de carne e osso, não se identifica, em nenhuma hipótese, com a Justiça com jota maiúsculo, porque seus agentes estão corrompidos? Se ele, que não idealiza os chamados homens da lei, sabe que o sistema legal está podre, por que ele, norteando-o legítimo senso de Justiça, e Justiça com jota maiúsculo, não pode agir por si mesmo, sem recorrer ao sistema legal, e punir os criminosos, que traíram a sua pátria e mataram a sua esposa e sua filha? Claro que pode-se objetar: "Mas a idéia que ele faz de justiça é a da com jota maiúsculo, ou a da com jota minúsculo?" Objeção válida. E que ninguém, jamais, penso, poderá responder adequadamente, corretamente. E por quê? Ora, é certo que Reece, cuja alma a alimenta as suas idiossincrasias, o seu temperamento, os seus sentimentos, tem uma idéia pessoal, por mais vasta, abrangente, universal, que seja, do que é a Justiça com jota maiúsculo. Portanto, por mais justo que ele seja, ele jamais será integralmente justo. Mas, pergunto, os homens que ocupam cargos na estrutura legal do estado, pública, são justos, mais justos do que os que nunca leram um tratado jurídico? Eles conhecem a Justiça com jota maiúsculo, ou as leis, que sustentam a justiça com jota minúsculo? Sabemos que o sistema legal estatal está podre. Sabemos, também, que muitos dos chamados homens das leis tem uma formação ideologicamente enviesada. Também sabemos que a educação formal de muitos deles a financiou gente inescrupulosa, que lhes cobram os favores prestados. E não ignoramos: muitos homens das leis são desonestos. Não sejamos ingênuos: os títulos que juízes, advogados, promotores e outros agentes legais ostentam não são provas de idoneidade, de honestidade, de respeito pela Justiça com jota maiúsculo. São provas, unicamente, de que eles atenderam a certos requisitos, que lhe foram exigidos, para poderem exercer os cargos que lhes fazem a fortuna. E só. Então, pergunto: Um homem, vítima de injustiça, ciente de que o sistema legal está corrompido e de que juízes, promotores, procuradores, são seres iníquos, podem fazer Justiça, e Justiça com Jota maiúsculo, com as próprias mãos? É controversa a questão. Afinal, quem sabe o que é a Justiça? Refiro-me à Justiça com jota maiúsculo. Quem?

Ilustre Desconhecido
Enviado por Ilustre Desconhecido em 25/07/2022
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