Psicanálise do fenômeno Lula

Uma querida amiga psicanalista fez uma análise do significado de Lula e da cerimônia de posse. Que evento! Uma celebração no dia mundial da paz e da esperança que foi dignificada não só no Brasil, mas no mundo todo. Pelo fato que o mundo todo compreende, talvez até melhor que nós mesmos, brasileiros, que nosso país personifica o impasse civilizacional que vivemos: de um lado o totalitarismo truculento e excludente, de outro a democracia que inspira a solidariedade e a inclusão, e desestimula o egoísmo.

Minha amiga chamou a atenção para as muitas vezes em que, durante a longa cerimônia de posse, Lula foi tomado pela emoção: voz embargada, olhos lacrimosos, mãos trêmulas. Uma figura humana, sensível, frágil. Atributos ditos femininos. E a psicanálise assevera que as relações humanas são fundadas no poder e na hierarquia, simbolizados no falo masculino. Como pode, então, a vulnerável figura tão humana de Lula na posse reunir a força e o poder necessários para comandar a conciliação de um país cindido pela segregação e pelo ódio, que vêm sendo agravados entre nós há uma década, desde as “jornadas de junho” de 2013? Segregação e ódio que vêm sendo cultivados ao longo dos nossos cinco séculos de história, pela colonização predatória, o extermínio dos nativos, a prolongada escravatura, a “independência” decretada pelo poder imperial, a desastrada abolição?

O poder e a força de Lula não estavam aparentes na figura do idoso comovido e fragilizado às lágrimas, na mesa do Congresso, no alto da rampa e no parlatório defronte o Palácio do Planalto. A força de Lula não estava visível na figura do líder que tomava posse. Nele, estava invisível. Mas estava presente, na sua já comprovada habilidade de negociar e de conciliar, enraizada numa surpreendente trajetória de vida, que o tornou um homem capaz de compreender a injustiça e o sofrimento humanos, e de entregar-se à construção de um mundo mais solidário.

Mas se a força e o poder de Lula não estavam visíveis na sua frágil figura, estavam escancarados na multidão que o ovacionava, entoando “Lula, guerreiro, do povo brasileiro!” E que teve a honra de receber em retribuição o cumprimento que foi o sensível e delicado reconhecimento da incansável resistência da “Vigília Lula Livre”: “Boa-tarde, povo brasileiro!” Paródia dos abençoados cumprimentos em coro de bom-dia, boa-tarde e boa-noite dos 580 dias da injusta prisão em Curitiba.

A força e o poder de Lula estão no carisma que mobiliza a multidão dos que se contagiam com o ideal de inclusão e justiça social. Representados na posse pela gente do povo que entregou a faixa presidencial. É esta multidão de apoiadores, os que já optaram pela solidariedade contra o egoísmo, que deve manter-se mobilizada e atuante. Disso depende que o governo do líder carismático e humano tenha sucesso no duro desafio da luta contra os arraigados preconceitos e a cupidez que marcam a natureza humana e a sociedade.