Patriotismo, emancipação e soberania

Os últimos anos e os acontecimentos deste início de 2023 nos impelem a refletir sobre o que significa, de fato, o patriotismo: a segurança das armas e a riqueza dos lucros do agro, ou o sonho de uma sociedade mais justa e inclusiva, com toda a contenda implícita? Decerto a questão não se resume ao que está expresso nesta simplória interrogação. A noção de genuíno patriotismo é muito mais complicada.

Na web encontra-se a definição de patriotismo: resumindo, é o amor à pátria ─ a terra natal ou adotiva ─ e aos compatriotas ─ todos aqueles que nela vivem, seus vínculos afetivos, seus valores, sua cultura e história. Patriotismo não deve ser confundido com nacionalismo; este subentende interesses de grupos identitários e ideológicos. Quer dizer, o patriotismo é maior que o nacionalismo, pois o amor à pátria e aos compatriotas abarca identidades e ideologias diversas, talvez até conflitantes.

Pátria confunde-se com nação. A pátria pode significar “a terra dos antepassados”, enquanto nação é “a terra do nascimento”. Os dois conceitos entremeiam-se e completam-se. Nação pode ainda ser compreendida como a evolução do sentido de pátria, quando a sucessão histórica de gerações e gerações impregna o território com cargas de memória afetiva, cultural e moral. A nação constrói-se através do tempo e das experiências compartilhadas por seu povo. Por isso é mais comum identificar-se nações plenas nos países que têm história mais antiga, e com mais vicissitudes já vivenciadas.

Quando indagamos sobre patriotismo, a questão fundamental talvez seja justamente verificarmos se estamos preparados para compreender e aceitar o diverso. O Brasil é uma pátria continental, com marcantes diferenças naturais regionais e uma história complexa, envolvendo exploração colonial predatória, extermínio da população nativa, prolongado escravagismo, independência e monarquia tuteladas, abolição e república mal resolvidas, branqueadora imigração... Tudo a conspirar para engendrar uma pátria repleta de diferenças, naturais, raciais, culturais, econômicas, religiosas, ideológicas...

Dessa complexidade surge a pátria, que ainda não é nação, que somos hoje. Um país onde mais da metade da população tem ascendência africana, mais da metade ascendência europeia, talvez mais da metade ascendência silvícola ou asiática. Sim, nossa mestiçagem perfaz muito mais que duas metades. Quantos dentre nós têm ascendentes negros, brancos, bugres, asiáticos... todos misturados?! Natural que de tanta mistura racial surjam tantas diferenças culturais, religiosas, ideológicas, filosóficas... Cada qual com sua ideia do que seja pátria e patriotismo.

Mas, se queremos evoluir para a construção da nação que confere identidade, têmpera moral e esperança a seu povo, temos de aprender a lição essencial, já aprendida pelos países mais antigos que nós: o amor aos compatriotas, a superação das intolerâncias, o exercício da cidadania. Embora diferentes, habitamos o mesmo país, temos o mesmo sonho de emancipação.

O maior patrimônio de um país é seu povo. Se lúcido e solidário, o povo há de promover o discernimento e a emancipação.

Se soubermos respeitar as diferenças, e fortalecer o que nos identifica, construiremos uma nação. Próspera e soberana.